domingo, maio 29, 2005

Delas

Há um trecho do Talmud, a coletânea de textos sagrados dos judeus, que seria mais ou menos assim (a tradução não foi minha, e nem atestei a veracidade, apenas copiei descaradamente de um artigo do Luiz Caversan):

"Cuida-te quando fazes chorar uma mulher, pois Deus conta as suas lágrimas. A mulher foi feita da costela do homem, não dos pés para ser pisada nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual, debaixo do braço para ser protegida e do lado do coração para ser amada."

Minha postura antropológica-histórico-religiosa-cultural é significativamente diferente com relação a mulher como com relação a muita coisa, mas confesso que fiquei profundamente comovido com tamanha demonstração de carinho pela figura feminina, históricamente tão relegada a segundo plano pelas mais diversas culturas. Ainda que a imagem parta de um pressuposto algo discutível (o texto deixa aberta a interpretação [e parece favorecê-la] de que a mulher foi criada para servir ao homem), é incontestavelmente preferível ao legado da mesma tradição hebraica que narra mais frequentemente os costumes de discriminação e opressão próprios de um povo ainda em sua infância, infância esta em que ainda vive parte da humanidade.

Ouço frequentemente histórias de mulheres contemporâneas que vivem a busca de um homem ideal, ou melhor, idealizado, e que ao se enamorarem por alguém, buscam converter este alguém neste ideal. Por enfrentarem a impossibilidade disto, deixam falir relacionamentos que talvez pudessem evoluir se fossem baseados em verdadeira afeição e num pouco de compreensão, para então repetirem indefinidamente o ciclo, a busca nos homens de carne e osso do ideal que existem tão somente em suas fantasias.

Mas raramente ouço falar de nós homens buscando as mulheres perfeitas. Andei contando, e apesar de ninguém falar a respeito, se tenho feito a contagem por critérios apropriados, a proporção está pior para o nosso lado. Em algum ponto da nossa cultura alguém (não sei quem) parece ter definido que o nosso modelo na adolescência é o bart simpson, e na vida adulta o Homer, e parece que nisto temos feito a nossa lição de casa direito, logo, refletir não encaixa neste modelo senão como violação de alguns pressupostos básicos de mediocridade, que em algumas pessoas requeririam um certo esforço de adaptação e confinamento, de redução.

Para aqueles que podem ir além, devem ir, não por que são ou para que sejam melhores do que ninguém, mas simplesmente por que creio que, em podendo fazê-lo, temos a obrigação de fazê-lo. O mundo é carente de grandeza, e está saciado (empanturrado até, eu diria) de mediocridade e pobreza de todos os matizes.

Esperar daquelas que hoje crescem em dúvidas sobre os próprios valores, que sejam um modelo de virtudes que nós mesmos certamente não possuímos, é uma violência talvez maior do que o apedrejamento que nossos patrícios cometiam por suspeitas por vezes verdadeiras, mas por vezes infundadas ou até mesmo motivadas por interesses ainda mais frios.

Naturalmente, que devemos nos precaver contra as interesseiras, da mesma forma que as nossas companheiras do sexo oposto deveriam melhor se precaverem contra "alguns muitos" do nosso gênero, mas atirá-las aos leões ao menor sinal de imperfeição é esquecer que as únicas coisas razoavelmente bem construídas em nós mesmos, seres humanos contemporânos, independente de nosso gênero, são muitas vezes apenas o nosso orgulho e a nossa própria cegueira, que por sua vez, socialmente falando, são grandes defeitos e nada que nos leve a perfeição alguma.

sábado, maio 28, 2005

D'amizade

Meu grande amigo,

Escrevo para dizer: Obrigado. Muito obrigado por não desistir de acreditar em mim. Sei que algumas pessoas, se não desistiram, estiveram próximas a isto. Porém, como se pudesse fechar os olhos diante dos meus imensos defeitos e ver apenas aqueles pequenos fragmentos de humanidade que se encerram em meu coração, vejo que nem por um instante duvidou de mim.

Pacientemente esperou por mim, mesmo quando eu próprio já não acreditava poder encontrar o caminho. Acreditou em mim como se fossem inevitáveis as minhas pequenas vitórias, postura esta que não consigo conceber: cometo tantos erros, todos nós aqui cometemos, e parece ser tão difícil acertar. Mas você parece ter seus próprios conceitos e não se importar nem um pouco com a minha descrença.

Quero dizer obrigado especialmente por que na nossa amizade, nossas capacidades não são exatamente recíprocas, não são simétricas. Você é muito mais meu amigo do que eu sou seu amigo, e você parece não se importar com isto. Parece ter prazer apenas em ser amigo de todos aqueles que puder alcançar.

Eu não sou assim. Frequentemente duvido de você, de suas capacidades. Por vezes duvido mesmo que você seja justo, pois quando fala que estou errado, meu orgulho não me deixa te escutar.

E ainda que quem tenha motivos para duvidar não seja eu, sou eu quem duvido. E você sabe disso, e parece não se ofender. Parece me compreender melhor do que eu mesmo me compreendo, como se fosse um pai que olha a um filho e sabe que com o tempo e as oportunidades o seu filho irá crescer e superar as pequenas-grandes tormentas que hoje a ele parecem insolúveis.

É com esta calma e esta paciência que tens sido meu amigo por todo o sempre, muito mais me ouvindo do que me dando conselhos. Parece saber que mais importante do que dar opções e direção à alguém é ajudar este alguém a encontrar suas próprias forças, e com elas descobrir seu próprio caminho.

Tua amizade é incondicional. A minha ainda é ciumenta e invejosa. Sou condicional e interesseiro, minha amizade se limita quando você não faz o que eu quero, ainda que eu queira as coisas erradas.

Um dia, quem sabe, eu serei um homem melhor. E quando e se isto for verdade, talvez eu me surpreenda, talvez meus outros amigos se surpreendam. Mas você, meu amigo, certamente dirá o que já disse tantas outras vezes: - Eu já sabia que você podia, só faltava você descobrir também.

terça-feira, maio 24, 2005

Cachorrinho esperto

Era uma vez, um cachorrinho, perdido na selva.
De repente, ele vê um tigre correndo em sua direção.
Pensa rápido, vê uns ossos no chão e se põe a mordê-los.
Então, quando o tigre está a ponto de atacá-lo, o cachorrinho diz:
- Ah, que delícia este tigre que acabo de comer!
O tigre pára bruscamente e sai apavorado correndo do cachorrinho,
e no caminho vai pensando:
'Que cachorro bravo! Por pouco, não come a mim também!'
Um macaco, que havia visto a cena, sai correndo atrás do tigre e conta
como ele havia sido enganado.
O tigre, furioso, diz:
- Cachorro maldito! Vai me pagar!
O cachorrinho vê que o tigre vem atrás dele de novo e, desta vez,
traz o macaco montado em suas costas.
'Ah, macaco traidor! O que faço agora?', pensou o cachorrinho.
Em vez de sair correndo, ele ficou de costas, como se não estivesse
vendo nada.
Quando o tigre está a ponto de atacá-lo de novo, o cachorrinho diz:
- Macaco preguiçoso! Faz meia hora que eu o mandei me trazer um outro
tigre e ele ainda não voltou!

Em momentos difíceis a criatividade pode nos ajudar e muito.

Copiei descaradamente daqui: http://becodosbytes.blogspot.com/

sábado, maio 21, 2005

Bobão :-)

Ouvi certa vez que há uma variedade de bambu chinês cuja semente passa cerca de 5 anos submersa nas águas de algum rio, sem manifestar-se.

Durante este tempo, se ela ficar um dia sequer fora d'agua, não irá se desenvolver. Por cinco anos permanece lá, inútil, depositada n'agua corrente, como se não tivesse pressa.

Passado este tempo, contudo, o broto surge, e dá origem ao maior dos bambus conhecidos, que se desenvolve em tempo recorde quando comparado as outras variedades.

Certa feita um pai se dirigiu a instituição de ensino onde estava matriculando seu filho, para queixar-se que julgava o curriculo demasiado extenso. Foi inquirir ao reitor se não havia uma forma de abreviar a permanência do filho no curso, ou seja, ir por um caminho mais curto. O reitor então respondeu ao pai que sim, era possível, mas isto dependeria se o pai desejava que seu filho fosse um carvalho ou uma abóbora. O pai não entendeu a metáfora e o reitor explicou:

- Deus quando decide fazer um carvalho, precisa de 100 anos. Quando intenta fazer uma abóbora, precisa de apenas 3 meses.

Não devemos apressar ninguém. Todos temos nosso ritmo próprio. Por algum mecanismo que nos é desconhecido, a semente de bambu, que parece inerte por 5 anos, está na verdade se preparando para o ulterior salto de crescimento que lhe assegura ocupar o primeiro porte na categoria dos bambus, e o faz em tempo recorde.

A verdade é que nunca sabemos quando aqueles que parecem inertes darão o seu salto rumo ao seu próprio crescimento. É bem provável que muitos, talvez mesmo a maioria, sequer chegue a dá-lo. Mas as maiorias são formadas por posturas que se alteram com o tempo. A unanimidade é burra, já dizia um brasileiro cuja obra eu não aprecio (talvez por que não a conheça tão bem, talvez por que, excluída do contexto em que foi criada, se torne vulgar), mas cujo intelecto parece se distinguia do vulgo. E qualquer coisa, boa ou ruim, que se saia do senso comum, é sempre polêmica.


Se queremos ser abóboras, provavelmente já podemos nos considerar prontos. Se queremos ser carvalhos, ou se queremos ser seres humanos com propósito de existir, há sempre trabalho a ser feito e lições a serem aprendidas.

Talvez, e somente talvez, a vida e suas dificuldades, os tormentos, as dúvidas, a esperança e a desesperança que nos visitam, talvez tudo isto seja apenas um grande rio a nos sacudir, na tentativa de despertar-nos da sonolência em que nos encontramos. Na tentativa de fazer, da semente que estamos, o bambu que somos.

Ou o bambu que sois vós que aqui lêem. Talvez eu não seja bambu, seja bobão. Mas talvez não.

quinta-feira, maio 19, 2005

You Raise me Up - Josh Groban

Quando estou pra baixo e minha alma tão cansada
Quando os problemas vem e meu coração sente-se tão carregado
Então, permaneço parado e aguardo aqui em silêncio
Até que você chega e senta-se comigo por um instante.

Você me eleva, então eu posso ficar nas montanhas
Você me eleva, para andar em mares tempestuosos
Eu sou forte, quando estou sobre os seus ombros
Você me eleva: Para mais do que eu posso ser.
(Bis)

Não há vida - não há vida que não tenha seu próprio vazio
Cada coração sem descanso bate tão imperfeito
Mas quando você chega e me preencho em admiração,
As vezes, eu acho que eu experimento a eternidade.


Você me eleva, então eu posso ficar nas montanhas
Você me eleva, para andar em mares tempestuosos
Eu sou forte, quando estou sobre os seus ombros
Você me eleva: Para mais do que eu posso ser.
(Bis)



Uma pobre tradução que eu fiz da música You Raise me Up, de Josh Groban.

A letra lembra-me de alguém que sempre será especial para mim. Alguém que trouxe cores e alegria a uma vida que era preto-e-branco. Cuja felicidade eu prezo como uma das coisas mais importantes desta vida.

Alguém que me eleva, para mais do que eu posso ser.

Ícaro com uma asa só

Passar pelo caminho que me aponta requer uma grandeza que eu não tenho.
O que me impede de cair na lama não é nenhuma virtude, que eu não as tenho, mas paradoxal e simplesmente o cansaço. Eu estou neste cai e levanta por tanto tempo que para sair deste ciclo sou até capaz de emular a força que eu não possuo. Sou até capaz de crer no que não creio, de derrotar pela força o inimigo que por vezes me é mais forte, sou igualmente capaz de resignar-me ou de fazer uma revolta e tentar acertar tudo na ponta da espada, mas o que não quero mais é ainda ser capaz de perder meu rumo neste mundo de tantos descaminhos, de tantas opções vazias e poucas reais possibilidades de escolha.

Me mostrou um caminho que eu ousei pensar estar apto a trilhar. E enquanto eu acreditei, eu realmente pude, sem nenhuma grande dificuldade. Mas no momento em que duvidei de mim, realmente vi que o caminho era mais árduo do que minha disposição a seguir nele.

O que me remete ao pensamento reverso: será que é verdade que a auto-estima representa tudo isso? Que a mesma pessoa, provida dela, pode dez vezes mais do que quando nada vê além de sua própria fraqueza? É fácil nos perguntar se nossa força não é apenas fruto da nossa imaginação, e talvez até seja em alguns casos, mas será ainda que, o oposto, a nossa fraqueza, não é sobretudo nossa falta de confiança em nós mesmos?

Diante das situações em que não conseguimos vencer, me pergunto: aqueles que conseguem, será que são assim tão superiores a nós que não conseguimos? Não me parece seja assim. Vejo pessoas bastante limitadas, tanto quanto eu, andando mais rápido que eu, simplesmente por que a sua noção de direção, de objetivo, é melhor definida do que a minha. Ao buscar o horizonte numa determinada direção, parecem prestar menos atenção as distrações que acodem a sua volta, e parecem se prender menos as situações corriqueiras que ocorrem durante o seu caminho: sabem que não podem parar por muito tempo em nenhum ponto da estrada, tem de partir: definiram um destino a alcançar. E frequentemente, tenho observado, o alcançam.


Sempre acreditei que o conhecimento importasse mais que a fé, mesmo quando esta mesma fé é tão somente consequência do conhecimento (algo que infelizmente muitas pessoas ainda não podem conceituar; Imaginam estarem em diâmetros opostos de uma escala imaginária).

Talvez isto seja como tudo na vida: um aspecto não é senão momentaneamente mais importante que o outro: podemos sempre mais quando conseguimos somar os fatores, o que geralmente não fazemos: com nossa miopia intelectual, tendemos a focar mais num aspecto em detrimento dos demais, e acabamos por perder o foco do contexto mais amplo, mais abrangente.

E pode até ser que, em determinada manobra do vôo, uma asa esteja exposta a maior esforço e neste momento o sucesso do vôo esteja dependendo mais da sua resistência particular, mas o fato é que os pássaros e os anjos não conheceriam senão a queda, se tentassem permanecer em vôo com uma asa só.

Até Ícaro, que se lançou aos céus com frágeis asas que não resistiram ao calor do sol, não confiou em uma asa só.

Aos que objetarem dizendo que o raciocínio é demasiado simplório ao considerar apenas dois fatores, ontém eu aprendi que muitas coisas podem ser passíveis de mensuração, por aproximação, usando apenas dois fatores.

Naturalmente que existem muitos outros fatores igualmente relevantes, e é exatamente este o meu ponto de reflexão aqui. Tomemos cuidado com a "miopia". Ela também nos leva ao chão, e se há quem goste do charco e busque se afundar um pouquinho mais nele, nada tenho com isto:

Prefiro tentar as estrelas, mesmo que a envergadura de uma asa só ainda não me levante do chão.

domingo, maio 15, 2005

Simplesmente sê ...

Não caminhes à minha frente;
Posso não seguir-te

Não caminhes atrás de mim;
Posso não saber guiar-te

Caminha ao meu lado
Dá-me tua mão
E simplesmente sê minha amiga.

(Autor desconhecido)

quarta-feira, maio 11, 2005

Eles Vivem

Ante os que partiram, precedendo-te na Grande Mudança, não permitas que o desespero te ensombre o coração.

Eles Não Morreram.
Estão Vivos.
Compartilham-te as aflições, quando te lastimas sem consolo.

Inquietam-se com a tua rendição aos desafios da angústia quando te afastas da confiança em Deus.
Eles sabem igualmente quanto dói a separação.

Conhecem o pranto da despedida e te recordam as mãos trementes no adeus, conservando na acústica do espírito as palavras que pronunciaste, quando não mais conseguiam responder as interpelações que articulaste no auge da amargura.

Não admitas estejam eles indiferentes ao teu caminho ou à tua dor.
Eles percebem quanto te custa a readaptação ao mundo e à existência terrestre sem eles e quase sempre se transformam em cirineus de ternura incessante, amparando-te o trabalho de renovação ou enxugando-te as lágrimas quando tateias a lousa ou lhes enfeitas a memória perguntando porque...

Pensa neles com a saudade convertida em oração.
As tuas preces de amor representam acordes de esperança e devotamente, despertando-os para visões mais altas da vida.

Quanto puderes, realiza por eles as tarefas em que estimariam prosseguir e tê-los-ás contigo por infatigáveis zeladores de teus dias.

Se muitos deles são teu refúgio e inspiração nas atividades a que te prendes no mundo, para muitos outros deles és o apoio e o incentivo para a elevação que se lhes faz necessária.

Quando te disponhas a buscar os entes queridos domiciliados no Mais Além, não te detenhas na terra que lhes resguarda as últimas relíquias da experiência no plano material...

Contempla os céus em que mundos inumeráveis nos falam da união sem adeus e ouvirás a voz deles no próprio coração, a dizer-te que não caminharam na direção da noite, mas sim ao encontro de Novo Despertar.

Emmanuel (Psicografia de Chico Xavier)

segunda-feira, maio 09, 2005

Do tempo que vai e vem

Se eu pudesse voltar o tempo, faria alguns pequenos ajustes.

Naquelas circunstâncias em que eu podia ajudar e me esquivei de fazê-lo, eu tentaria fazer melhor. Especialmente por que, hoje vejo, não me custaria nada, ou quase nada.

Nas vezes em que me revoltei por que as pessoas mentiram para mim, eu procuraria lembrar das vezes em que eu também menti, e sobretudo, das vezes em que fui perdoado por isto.

Todas as ocasiões em que apressei as coisas, em que não deixei o tempo agir com a naturalidade que lhe é própria, todas as muitas vezes que eu não soube esperar... Nestas, eu buscaria a paciência e o cuidado necessários, especialmente quando disto dependesse preservar as pessoas que me são caras.

Nos momentos em que eu busquei as fugas ao invés de enfrentar os problemas, eu tentaria respirar fundo e esperar aquela parte do cérebro que, apesar de ser meio lenta pra funcionar, acaba conseguindo resolver as coisas sem apelar para nenhum tipo de desespero; Tentaria pensar e agir ao invés de simplesmente reagir.

Não obstante, o tempo passa rápido. E com isto, vai deixando para trás as oportunidades aproveitadas ou não, e trazendo outras que se configuram diferentemente: as quase mesmas situações são reapresentadas em contextos distintos daqueles que já experimentamos, de modo que por vezes sequer nos damos conta que o que parece novo problema é tão ou mais antigo do que nós.

Cada um de nós carrega em si a soma daquilo que está desenvolvido bem como daquilo que ainda resta desenvolver. Do que em nós pode, com a mesma facilidade, construir ou destruir. A possibilidade da esperança ou da desistência, da realização ou do fracasso, sendo que este último é sempre temporário, e quem aprendeu isto provavelmente não o fez senão a duras penas.

Se não podemos voltar atrás, talvez possamos ao menos olhar para o hoje de uma forma diferente daquela a que nos permitimos acostumar, e, apesar do céu cinzento e da chuva tristonha, que cai incessantemente e por vezes parece não querer ir embora, talvez possamos nos lembrar que se pudessemos voar até o céu, veríamos acima do tapete cinzento que estaria sob nossos pés, o sol que brilha sobre todos, justos e injustos que o somos, indiferente a nossa descrença e esperando apenas pelo momento propício de raiar por através das nuvens, recobrando as esperanças daqueles que nos permitimos esquecer que o que viveremos amanhã é determinado quase que tão somente pelo que hoje completamos ou deixamos por fazer, sendo que neste último caso, vamos continuar desejando pudessemos voltar o tempo, tentando fugir do lugar e circunstâncias a que pertencemos: aqui e agora.

sábado, maio 07, 2005

Achegar-se

Por vezes nos vemos convidados a analizar a forma pela qual as pessoas passam a fazer parte de nossas vidas. Por exemplo, quando nos recordamos das amizades, ficamos tentando lembrar como foi que conhecemos estas pessoas, as coisas que compartilhamos, os momentos que passamos juntos, mas de maneira mais especial como foi que aquela pessoa passou a ser tão importante para nós.

As vezes fazê-lo é algo simples, mas por vezes ainda é complicado, ou mesmo engraçado, como aqueles casos de pessoas que no começo não nos damos bem mas que aprendemos a respeitar e podem, com o tempo, até estar no círculo de nossos melhores amigos.

Acho que parte desta dificuldade talvez esteja no fato que somos educados para valorizar as igualdades em detrimento das diferenças que nos compõe, noutras palavras, talvez sejamos instruidos a discriminar e estabelecer conceitos de piores e melhores seres humanos, como se (e supondo ainda que fazê-lo seja possível, tenho minhas dúvidas) fosse algo simples.

Não sei vocês, mas creio que até então eu nunca tinha feito o processo reverso: me perguntado como foi que entrei na vida das pessoas. Talvez por que tenha sido sempre algo dentro de um padrão de normalidade, e salvo poucas excessões, acho que nunca foi por nada muito especial, mesmo nos casos em que creio vim a me tornar algo representativo na vida das pessoas.

A pergunta que me fiz e que me levou a esta pastelada toda foi a seguinte: será que, por acaso, eu as vezes não entro na vida das pessoas do jeito errado? Será que eu não influo as pessoas de modo a tirá-las do seu caminho natural, a torná-las mais confusas? Me pergunto por que, para bem ou para mal, eu sou muito reflexivo e por vezes acabo contaminando as pessoas ao meu redor. Fico sempre querendo ver as questões pelos mais diversos ângulos, o que pode ser bom pra mim (de imediato lembro que há casos em que só me meto em confusão), mas pode ser que nem todo mundo esteja preparado pra isso e neste caso eu as estaria prejudicando.

Também me questiono se as vezes não fico tentando ocupar um lugar que não é meu. Tentar ser amigo, me achegar, rápido demais, no sentido de constranger as pessoas que não estão acostumadas a se exporem a fazê-lo, sem mesmo saber se podem confiar em mim e até que ponto, sem terem desenvolvido aquele nível de intimidade que só o tempo e a vivência constróem.

Eu faço tudo que posso para não influenciar as pessoas, por que em geral eu gosto delas como elas são (há excessões, naturalmente) e tenho receio de mudá-las. Acho que não aconteceu, mas em tese eu penso que as poderia influenciar negativamente.

Porém, ao mesmo tempo, me parece ser impossível conviver sem influir. Quando buscamos o nosso melhor, isto naturalmente influencia as pessoas (não necessariamente de uma forma correta), da mesma forma como quando damos vazão aquelas fraquezas de caráter que todos as trazemos conosco (por exemplo, me irrito facilmente quando estou envolto em meus pensamentos e sou interrompido para me perguntarem coisas que eu já havia respondido antes, sendo que eu também faço a mesma coisa com os outros e portanto não deveria me achar no direito de queixar -me, e ainda assim, me queixo). Também da mesma forma, dar mau exemplo, embora seja algo sempre condenável, não necessariamente influi em alguém de forma negativa (alguém pode me ver irritando e pensar lá com seus botões: credo, não quero ser como este daí, que perde a paciência por qualquer coisa. Neste caso, o meu mau exemplo vira um bom exemplo: não do que a pessoa deve fazer, mas do que não deve fazer. Na vida tive muitos referenciais do que não deve ser feito e não tantos quanto eu precisava do que deveria ser feito. Naturalmente que isto não escusa as faltas que servirem de exemplo, por que elas podem ter tido efeitos negativos a quem as gerou e a terceiros que lhes sofreram os danos).

Espero que, apesar dos pesares, algum bem que eu possa ter feito supere os eventuais dissabores que eu criei (que não foram poucos). Espero que as vezes que eu me meti na vida das pessoas, que fui me chegando onde talvez não fosse o meu lugar, que eu não as tenha prejudicado.

Antes de tudo creio que no meio desta confusão toda, eu vou aprendendo o significado de uma palavra que é muito mais usada do que compreendida, muito mais dita do que vivida, algo que em geral esperamos sempre dos outros mas nem sempre tentamos fazer nós mesmos: vou aprendendo o que é amar.

Espero eu que na melhor definição que esta palavra possa ter. Neste mundo há muita confusão em torno disso. E tenho muito a aprender.

Mas isto é assunto pra outro dia.

Eu os deixaria com toda a paz do mundo, se a ela eu tivesse acesso.
Na falta de possuir a luz do sol, deixo-vos com o reflexo de uma pequena e inconstante chama.

terça-feira, maio 03, 2005

O Quase (Luís Fernando Veríssimo)

Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase.

É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.

Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou.

Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor, não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz.

A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.

Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.

O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.

Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência, porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.

Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo.

De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.

Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.

Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.

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