quinta-feira, setembro 22, 2005

lo sò

Uma vez criei um diário coletivo. Pretendia postar meus textos lá e fazer aqui meu diário. Acabou que não tive paciência de ter um diário, postei meus textos aqui e lá ficou meio abandonado.

Não estou a fim de mudar isto, mas hoje tive vontade de escrever, mais especificamente, sobre a minha vida, o que tem acontecido, embora nada de extraordinário.

Ontém tive esta idéia, algo tola, algo absurda, de pensar em escrever um livro. Ela surgiu de um tema que me veio a cabeça, e, como ao menos hoje ainda não acordei convencido que seja uma bobagem total, eu vou acabar fazendo.

É um projeto de longo prazo, ou melhor ainda, sem prazo. Não é nada comparável ao que escrevo, por que pretendo fazer uma ficção ciêntifica. Se algum dia eu vier a publicá-la, dificilmente a farei no meu nome, usarei um pseudônimo, por que se der certo quero continuar a história (a idéia é boa, dá pra fazer por baixo uns três livros em cima do tema) sem ninguém me perturbando. E se não der certo, posso zoar comigo mesmo sem me sentir estranho.

É bom começar a ter planos de longo prazo novamente. Eu sentia falta disto. Afinal, parte importante de mim é voltada ao longo prazo. Me sinto tentado a divagar sobre isto mas fica pra outra hora.

Bom, vamos ao que não contei aqui. Faz algum tempo já que estou estudando italiano. Como fica mais difícil aprender uma língua na minha idade. E olha que provavelmente ainda levo vantagem. Mas digo isto por que antigamente era aquela coisa de ouvir uma palavra e nunca mais esquecer seu significado. Hoje em dia, eu esqueço até onde estacionei o carro.

Minha vida teve mudanças lentas porém não tão suaves ao longo deste ano que está passando, especialmente no âmbito profissional. Pra não mencionar a universidade, que embora esteja tão presente na minha rotina, as vezes ainda parece algo tão novo.

Tenho sido convidado, para não dizer induzido, a ver a vida por outros olhos. E a tenho visto sob tantos ângulos diferentes. Sempre achei que a via assim, mas confesso que as oscilações tem sido bem maiores. Apesar de tudo, estas oscilações só tem fortalecido minha auto-confiança no que diz respeito à imagem que faço de mim mesmo, embora, por outro lado, tenha sido forçado a admitir minhas limitações e meus defeitos (que não são poucos, nem superficiais), o que não é exatamente a coisa mais fácil do mundo.

Sempre gostei de pensar que não devo nada a ninguém. Hoje sei que nada poderia estar tão longe da verdade. Devo e muito. Mas não é uma dívida pesada. É talvez a única que seja tão lucrativa ao devedor, quanto pode ser ao credor: a dívida suave da gratidão.

É tão ruim ser orgulhoso, ingrato. E é tão difícil perceber quando somos ou não, especialmente nas pequenas coisas. E é justamente nelas que preciso me aprimorar.

Já estou divagando de novo. É o hábito. Não se pode dizer que não pratico esportes ou não tenho hobbies: é divagar devagar. Tá, o trocadilho não tem graça :-)

Durante a vida, passamos por períodos, as vezes longos, em que a falta das coisas conta mais do que as demais coisas que temos presentes conosco. Seja a falta do que tivemos, ou a falta do que gostaríamos de ter, ou ainda a insegurança da possibilidade de não vir a ter.

Mas é necessário nadar contra a corrente e perceber que as coisas não acontecem sozinhas. Temos nas nossas mãos as ferramentas necessárias para seguirmos rumo aos objetivos que elegermos. O tempo não volta. Os fragmentos do vaso quebrado não se colam sozinhos.

Tudo que realmente importa, depende de nós mesmos. Todo o resto não são senão bônus, dádivas e presentes que a vida nos dá, sem nos exigir nada em troca. Mas os bônus não podem ser exigidos, nem ao menos sonhados, por aqueles que ficam sentados numa pedra, esperando que o mundo se adapte aos seus desejos.

Novamente, recordo de St. Agostinho:


"Senhor, dai-me forças para mudar o que deve ser mudado, paciência para aceitar o que não pode ser mudado, e a sabedoria para distinguir uma coisa da outra."

quinta-feira, setembro 15, 2005

Perdoa, se for capaz

É tão fácil errar. Basta dizer uma palavra a mais ou a menos, trocar uma vírgula; Aumentar o tom de voz.

É tão fácil sentir culpa. Só não é tão fácil quanto culpar os outros. E é tão difícil perdoar.

O que parece difícil de entender é que o perdão é a verdadeira "anistia para ambos os lados". Não é incomum a quem odeia, guarda rancor, sofrer enquanto o odiado, o pretenso algoz (pretenso por que o outro é sempre o único culpado, nós sempre inocentes, incrível, não?), as vezes nem se deu conta que seus atos pudessem ferir. E se não teve a intenção, pode ter culpa nenhuma, ou mais frequentemente, meia culpa, mas chamá-lo de culpado, causador, é arriscar ser parcial, usar de dois pesos e duas medidas.

Todos erramos e não digo seja incomum, pelo contrário, errarmos premeditadamente, com sangue frio, com intenção, com tempo. É algo frequente e até encorajado em muitos círculos que não se deixe barato, que se vingue, que se use a crueldade em retorno a crueldade, que se foi inicialmente praticada por alguém sem a intenção de ser cruel, ao ser retornada a este com sangue frio, está se dando um castigo maior que a ofensa, o que nem Moisés, no meio de um povo rude e inculto, necessitado de duras penalidades civis para coibir seus impulsos criminosos, ousou recomendar.

Quem perdoa talvez liberte, mas é certo que liberta-se. Se outrém nos odeia, será que o problema deveria ser nosso? Parece simples ver que se alguém nos traz um presente, e não aceitamos este presente, ele fica com quem o trouxe. Se no entanto, o aceitamos, é nosso. Aceitar o ódio é opção, como também o é aceitar o fato que erramos, que erram conosco, e seguir em frente, o que constitui sempre em sinal de alguma maturidade. Ficar escravo de acontecimentos que já tiveram sua hora, que não podem ser desfeitos, e ficar bancando o justiceiro, como se amanhã ou depois também não fosse pisar na bola, precisando de compreensão, é ficar preso, amarrado ao passado. Naturalmente que devemos transferir a responsabilidade do erro a quem errou, não aceitando jamais que se faça uma injustiça a quem quer que seja. Devem haver penalidades, mas sobretudo, devem existir meios de minimizar os males cometidos, e não creio que criar a cultura da crueldade injustificável seja favorecer, pasmem, a justiça!

Nos tempos imediatamente anteriores a Moisés, no seio da mesma sociedade fragmentada em princípios tribais, a guerra por questões menores era um estado quase que permanente. Se observarmos racional e desapaixonadamente a diretiva mosaica do "olho por olho", aos dias de hoje, a veremos como cruel. Mas ao recomendar isto a um povo bárbaro, Moisés impôs grande progresso, pois se alguém cortasse o dedo de alguém, não era incomum provocar-se uma guerra objetivando não cortar o dedo do agressor, mas dizimar sua familia, sua esposa, seus filhos, seus pais, seus irmãos, quando não sua tribo, para varrer, enfim, da face da terra, tudo o que fosse relacionado ao agressor.

Se a pena de morte, para alguns de nós (e subscrevo-me), é algo indesejável, acho difícil que, nos dias de hoje, mais que uns poucos insensatos concordassem com a idéia de imputar tal pena aos familiares do agressor, como se pudessem estes compartilhar da responsabilidade do crime cometido apenas pelo fato de existirem. É natural que pudessem, por hipótese, existir cúmplices, mas cada um é responsável por si. Este negócio de sermos influenciáveis não nos isenta do mal que tenha tido origem em o fazermos ou deixarmos de impedir que se faça.

É compreensível que povos inteiros, e indivíduos ou pequenas agremiações dentro de outros povos, ainda estejam, mentalmente, vivendo nos tempos de moisés. Mas aos demais cumpre considerar que o tempo passou, os pactos sociais maturaram, e muitos líderes, mártires, pensadores, professores, pessoas referenciais enfim, das mais diferentes ideologias e culturas, apresentaram diferentes propostas, e quem quer que se dê ao trabalho de estudá-las, mesmo que não concordando com seus preceitos, poderá observar que há muitas formas de olhar para a mesma questão.

Até no seio dos decendentes da cultura que abrigou os prceitos de Moisés, surgiu, muitos séculos depois, um homem admirável que não dizia olho por olho, mas perdoar setenta vezes sete. Que ao invés de mostrar a idéia de Deus como sendo líder dos exércitos, mais cruel, ciumento, vingativo, que o mais rancoroso dos seres humanos, o apresentava simplesmente como o pai.

Na encosta de uma região então muito verde e rica de natureza, diante de uma multidão que cochichava e se admirava, usou a palavra amor, e ao pronunciá-la, calou a todos, que se entreolhavam sem saber o que dizer.

Amai aos demais como a si mesmo. Mas nós não amamos, pois quem se ama não se mata. E quem não perdoa, pode até não dar-se conta, pode até prosseguir por décadas com sua mágoa, mas envenena-se, enfraquece-se, e morre.

Após anos perseguindo o irmão de sangue que considerava traidor dos costumes de seu povo, um homem que viveu a muito tempo atrás, o encontrou, e cheio de ódio, o espetou com a espada. O irmão ferido mortalmente, sorriu e disse: Eu te perdoo, e morreu.

O outro, largando a espada, só ali se deu conta do que havia feito. Só após todos estes anos, quando consumada sua paixão vingativa, percebeu que os anos haviam passado, seu velho pai morrido de desgosto por que, tendo bom coração, procurava aplacar a ira deste seu filho, sem sucesso. Amava ambos os filhos e não os havia criado para odiarem-se. Não culpava o filho que havia partido, tido por traídor pelo outro irmão, ainda que, à época, ele fosse tido como traidor pelos costumes. Sabia ele que o delito não era tão grave a ponto de não poder ser reparado.

Alguns homens petrificaram seus próprios corações e nada vêem senão com as lentes do interesse p?oprio, egoísta. Não medem esforços para alcançarem o que querem, pois se julgam superiores a todos os outros homens, que então, são apenas meios de realizar seus objetivos, que podem ser descartados quando não mais têm serventia.

Mas aos demais, que possuem ao menos uma veia pulsando dentro de seus corpos, é imperioso que raciocinem antes de seguir a trilha da vingança, por que, obstinados, podem seguir por ela sem saber exato onde ela leva.

As tradições religiosas criaram o conceito de inferno, e algumas delas honram a idéia da existência de um ser que seria a origem, ou o coordenador, do mau na terra. Se, em princípio, toda idéia é respeitável enquanto hipótese, interrogo qual o motivo pelo qual alguns se apegam tanto a tal dogma, se ele desvia o olhar do homem para um conceito de onde fica a dúvida se poderia ou não estar o mal, sendo que existe um lugar onde ele certamente existe, e se temos esta certeza, podemos combaté-lo. Este lugar é o nosso próprio ego, pois é em nós que reside o mal do mundo, e não nos outros, e menos ainda em um único ser em particular, a quem seria muito fácil transferir toda a responsabilidade pelas coisas e lavarmos as nossas mãos.

É em nós que reside o mal do nosso mundo interno, e a estes, só nós mesmos podemos aplacar, não tanto ao sermos perdoados, mas, talvez, ao perdoarmos, de toda alma, se disto formos capazes.

quarta-feira, setembro 07, 2005

Montanha Abaixo

Um sopro de vento passa sorrateiro pelo cume da montanha. E atrás dele outro, e mais outro.

Não fosse tão gelado, se alguém estivesse ali, no cume da montanha, sentiria neste sopro apenas uma leve brisa, a levantar os cabelos ou acariciar o rosto.
Mas esta sucessão de ventos, que ali chega, é o suficiente para deslocar um pequeno bloco de neve. Este pequeno bloco cai contra um bloco de gelo mais sólido, e nele rola, tocando a neve mais abaixo. Ao fazê-lo, já com certa velocidade, vai acumulando mais neve. E assim surge uma bola de neve de considerável tamanho, que passa levando tudo o que encontra pelo caminho, até acertar as árvores de poucas folhas perdidas no meio do caminho, levando consigo o ninho de passarinhos que ainda nem estava pronto.

E dentro da gigante bola de neve, ainda está aquele pequeno bloco, tal qual estava lá em cima, mesmo que se confunda com as camadas que lhe ficaram sobrepostas.

As vezes nossa vida é assim, como a história do bloco de neve. Rolamos montanha abaixo, adquirindo camadas e camadas das mais diversas coisas, boas e ruins, escorregando aqui e mais ali, até que chega a algum lugar de onde parece que não se pode passar. De tal sorte que quando a nossa vida descamba, não em alguma árvore, mas em alguma série de acontecimentos, já não sabemos se somos mais aquele bloco de neve ou se somos a neve que está em volta de nós. Talvez sejamos ambos, eu não sei. Se não me agrada a idéia de pensar que a gente não muda, menos ainda agrada a idéia de a gente não conseguir evitar este acúmulo de coisas, especialmente as coisas que não gostaríamos de acumular; A idéia de não sabermos pra onde vamos. Só dá pra sentir quando se cai, e mesmo assim, as vezes quando já se está com certa velocidade e já não dá mais pra evitar.

É verdade que vivendo a gente ganha muitas coisas. Experiência, sobretudo, por que só mesmo a imaturidade nos permite achar que sabemos o suficiente, ou ainda, que sabemos mais que o suficiente. É necessário tempo para perceber que não há manual de instruções para percorrer o caminho a ser trilhado, e os mapas que nos serviriam para descobrir qual é este caminho, dentre tantos outros, não é senão mera aproximação, como um rabisco, uma bússula, nos dizendo: "vá mais ou menos naquela direção, não sei pra onde você vai, nem quanto tempo leva pra chegar lá".

Mas não consigo deixar de pensar que ao mesmo tempo, parece que com o tempo, se perde alguma coisa. Aquele idealismo absoluto se torna sensato, relativo, e se isto é muito bom para a vida prática, é um tédio total para a vida de imaginação. A capacidade de acreditar nas pessoas, de achar que elas dizem sempre a verdade e que buscam o que é bom, também se relativiza, ao ponto de alguns a extrapolarem, de modo a não confiarem em nada, nem ninguém, suponho nem mesmo em si mesmas.

Parece que as vezes estamos sempre vendendo ou trocando alguma coisa que não tem preço, por outras coisas que, a bem da verdade, não tem valor. Trocamos algumas gramas de pureza por toneladas de quinquilharias que, ocupem mais ou menos espaço, pesem mais ou menos, não são senão migalhas se formos usá-las para preencher o vazio de nossos corações.

Falo daquele vazio de olhar este mundo tão grande lá fora e não saber exatamente qual é o seu lugar nele. É o vazio de perceber que há tantas pessoas na mesma condição, ou até pior, vendendo a alma para comprar um lugar qualquer, mesmo que não seja o seu.

Vejo estas pessoas que precisam ir e vir, por que aqui nunca está bom, mas vão para acolá cheias de esperança, e quando lá chega, o que era "lá" vira "aqui", e então precisam se mudar, parecem não perceber que onde quer que elas vão, há uma certa bagagem que necessariamente levam com elas, e que apesar de pesada n'alma, fingem que ela não existe, a varrem para baixo do tapete (carregar malas pesadas usando um tapete não parece muito ergonômico, parece? Deve dar uma baita dor nas costas)...

As vejo e sei que no fundo, só o que me diferencia delas é que tenho preguiça de levar minha bagagem de lá para cá, então fico aqui mesmo, o que certamente não conta a meu favor.

Seres humanos que somos, há tantas teorias tentando nos descrever. Uns nos limitam nas causas, outros nos efeitos, mas de qualquer forma, ainda que definissemos exatamente como é a humanidade, não conseguiriamos definir como é cada indivíduo. Sim, somos todos parecidos. Mas se fossemos idênticos na forma e no pensar, em algum momento, discordariamos e jamais seriamos os mesmos. E, apesar de, insisto, possuirmos muitas semelhancas, são as diferenças que nos definem. Creio que no dia em que pararmos de tentar mandar no mundo, de tentar forjá-lo a nossa imagem e semelhança, e em especial, o dia que desistirmos de tentar fazer os outros verem o mundo com nossos olhos, pensar a nossa maneira, e concordar com nossas necessariamente limitadas conclusões, será o dia em que começaremos a entender quem somos, por que, para isso, parece ser necessário entender quem nós não somos.

Por vezes, faz-se imperioso admitir que podemos estar muito longe ainda de sermos quem podemos (ou poderemos) ser.

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