quarta-feira, agosto 16, 2006

Anjos da Paz

Ó luminosas formas alvadias
Que desceis dos espaços constelados
Para lenir a dor dos desgraçados
Que sofrem nas terrenas gemonias!

Vindes de ignotas luzes erradias,
De lindos firmamentos estrelados,
Céus distantes que vemos, dominados
De esperanças, anseios e alegrias.

Anjos da Paz, radiosas formas claras,
Doces visões de etéricos carraras
De que o espaço fúlgido se estrela!...

Clarificai as noites mais escuras
Que pesam sobre a terra de amarguras,
Com a alvorada da Paz, ditosa e bela...

(Cruz e Souza)

segunda-feira, agosto 14, 2006

Antes Tarde ...

Nem sempre temos a chance de agradecer, pois nem sempre o tempo que nos é concedido é suficiente para tal, ou não o é a nossa eficácia em tomar proveito deste.

Por via das dúvidas, é melhor, talvez, escrever prematura e incompletamente, do que não chegar a escrevê-lo de fato, até porquê uma oportunidade não exclui as demais.

E o que tenho a agradecer é tudo o que me foi dado pelas pessoas que cruzaram meu caminho, nas mais diversas épocas e condições, algumas tendo sido apenas um breve relâmpago, por vezes de luz e alegria, outras que prosseguem sendo como fiéis amizades que a vida me honra em permitir ter como parte do tesouro do coração, aquele que os ladrões não roubam e as traças não corroem.

Minha gratidão afigura-se imensa neste particular momento. Foram e são raros os momentos em minha vida nos quais pude dar-me conta da realidade simples e magnífica, do quanto representa o que bem que fizeram e fazem por mim, bem como da minha total inabilidade em retribuir o privilégio na mesma escala, ou mesmo ainda em uma proporção qualquer que fosse ao menos significante por comparação.

A todos vocês, que doam de si sempre o melhor, que fazem o que está ao seu alcance, não medindo esforços para ajudar este que por ventura lhe é caro, deixo aqui meu obrigado, e meu pedido de desculpas, pois não raro tenho estado longe, muito longe, de ao menos tentar ser como vocês.

Se algum dia me deste o que de mais caro havia em teu coração, e retribuí tão somente com meu egoísmo, perdoa-me: Eu não sabia o que fazia.

E não menos importante, ainda não sei; E é mesmo improvável que venha a sabê-lo em futuro próximo, a despeito da consciência que momentâneamente me aclareou, enquanto escrevo tais palavras.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Vozes de uma Sombra

Donde venho? De era remotíssimas
Das substâncias elementaríssimas
Emergindo das cósmicas matérias.
Venho dos invisíveis protozoários,
Da confusão dos seres embrionários,
Das células primevas, das bactérias.

Venho da fonte eterna das origens,
No turbilhão de todas as vertigens,
Em mil transmutações, fundas e enormes;
Do silêncio da mônada invisível,
Do tetro e fundo abismo, negro e horrível,
Vitalizando corpos multiformes.

Sei que evolvi e sei que sou oriundo
Do trabalho telúrico do mundo,
Da Terra no vultoso e imenso abdômen;
Sofri, desde as intensas torpitudes
Das larvas microscópicas e rudes,
A infinita desgraça de ser homem.

Na Terra, apenas fui terrível presa,
Simbiose da dor e da tristeza,
Durante penosíssimos minutos;
A dor, essa tirânica incendiária,
Abatia-me a vida solitária
Como se eu fora bruto entre os mais brutos.

Depois, voltei desse laboratório,
Onde me revolvi como infusório,
Como animálculo medonho, obscuro,
Té atingir a evolução dos seres
Conscientes de todos os deveres,
Descortinando as luzes do futuro.

E vejo os meus incógnitos problemas
Iguais a horrendos e fatais dilemas,
Enigmas insolúveis e profundos;
Sombra egressa de lousa dura e fria,
Grita ao mundo o meu grito que se alia
A todos os anseios gemebundos: ?

?Homem! por mais que gastes teus fosfatos
Não saberás, analisando os fatos,
Inda que desintegres energias,
A razão do completo e do incompleto,
Como é que em homem se transforma o feto
Entre os duzentos e setenta dias.

A flor da laranjeira, a asa do inseto,
Um estafermo e um Tales de Mileto,
Como existiram, não perceberás;
E nem compreenderás como se opera
A mutação do inverno em primavera,
E a transubstanciação da guerra em paz;

Como vivem o novo e obsoleto,
O ângulo obtuso e o ângulo reto
Dentro das linhas da Geometria;
A luz de Miguel Ângelo nas artes,
E o espírito profundo de Descartes
No eterno estudo da Filosofia.

Porque existem as crianças e os macróbios
Nas coletividades dos micróbios
Que fazem a vida enferma e a vida sã
Os antigos remédios alopatas
E as modernas dosagens homeopáticas
Produto da experiência de Hahnemann.

A psíquico-análise freudiana
Tentando aprofundar a alma humana
Com a mais requintadíssima vaidade,
E as teorias do Espiritualismo
Enchendo os homens todos de otimismo,
Mostrando as luzes da imortalidade.

Como vive o canário junto ao corvo
O céu iluminado, o iverno torvo
Nos absconsos refolhos da consciência;
O laconismo e a prolixidade
A atividade e a inatividade,
A noite da ignorância e o sol da Ciência.

As epidermes e as aponevroses,
As grandes atonias e as nevroses,
As atrações e as grandes repulsões,
Que reunindo os átomos no solo
Tecem a evolução de pólo e pólo,
Em prodigiosas manifestações;

Como os degenerados blastodermas
Criam a descendência dos palermas
No lupanar das pobres meretrizes,
Junto dos palacetes higiênicos
Onde entre gozos fúlgidos e edênicos
Cresce a alegre progênie dos felizes.

Os lombricóides mínimos, os vermes,
Em contraposição com os paquidermes,
Assombrosas antíteses no mundo;
É o gigante e germe originário,
Os milhões de corpúsculos do ovário,
Onde há somente um óvulo fecundo.

A alma pura do Cristo e a de Tibério,
Vaso de carne podre, o cemitério,
E o jardim rescendendo a perfumes;
O doloroso e tetro cataclismo
Da beleza louçã do organismo,
Repleto de dejetos e de estrumes.

As coisas sustanciais e as coisas ocas,
As idéias conexas e as loucas,
A teoria cristã e Augusto Comte;
E o desconhecido e o devassado,
E o que é ilimitado e o limitado
Na óptica ilusória do horizonte.

Os terrenos povoados e o deserto,
Aquilo que está longe e o que está perto;
O que não tem sinal e o que tem marca;
A funda simpatia e a antipatia,
As atrofias e a hipertrofia,
Como as tuberculoses e a anasarca.

Os fenômenos todos geológicos,
Psíquicos, científicos, sociológicos,
Que inspiram pavor e inspiram medo;
Homem! por mais que a idéia tua gastes,
Na solução de todos os contrastes,
Não saberás o cósmico segredo.

E apesar da teoria abstrusa
Dessa ciência inicial, confusa,
A que se acolhem míseros ateus,
Caminharás lutando além da cova,
Para a Vida que eterna se renova,
Buscando as perfeições do Amor em Deus.

(Augusto dos Anjos)

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