quinta-feira, junho 28, 2007

Os Fins e os Meios

Entendendo fim como um objetivo qualquer a ser alcançado, e meio como tudo aquilo utilizado para atingir este fim, nos deparamos com as mais diversas situações e interpretações desta relação de causalidade.

O italiano Machiavel (Niccolò Machiavelli) declara, em "O Príncipe", que os fins justificam os meios, sugerindo que na busca de um objetivo pretensamente nobre, seria lícito usar-se de meios que não poderiam ser classificados da mesma forma. Justiça seja feita, esta seria uma generalização induzida do que Machiavel quis afirmar, e, segundo J.J. Rousseau, na verdade teria ele (Machiavel) pretendido desmascarar a hipocrisia de que usam os governantes na tentativa de ampliar e preservar o poder de que desfrutam. Noutras palavras, o escrito de Machiavel seria uma brilhante e rara obra de cinismo.

Há interpretações divergentes, mas deixemos Machiavel e Rousseau pra lá e voltemos ao assunto, antes que fiquemos só na política e eu me veja tentado a colocar o Lula no meio da história, o que retiraria dela qualquer aspecto positivo que eventualmente eu conseguisse implantar.

O que quero dizer é que vejo as coisas sob outro ponto de vista. Não nego que em determinadas situações atípicas, e a exclusivo critério de cada um, nos julguemos diante da necessidade, ainda que questionável, de extrapolar os meios, especialmente as formalidades, para atingir um fim que reclame uma direção mais enérgica ou imediata.

Não convém porém tomar a excessão pela regra, quando, em verdade, um fim grandioso reclama meios adequados, elevados, nobres, e não raro, quase impossíveis de serem encontrados em circunstâncias corriqueiras.

O trato com as melhores coisas da vida, mais próximas do ideal de pureza, beleza e perfeição que cada um de nós possuí (das mais variadas, e, não raro, distorcidas formas), deve ser igualmente o mais próximo do que podemos conceber como perfeição.

Exemplos se fazem necessários. Se nos dispomos a auxiliar alguém que nos é caro e que se encontre momentaneamente em dificuldade de qualquer ordem, mas ao nos dirigirmos a este propósito, o fazemos com aspereza e sem a consideração que a situação reclama, corremos o risco de, além de não conseguirmos nosso intento, piorarmos a situação.

Já diz-se popularmente que a intenção não basta, aliás, expressa-se isto muito bem pela figura de que "de boas intenções o inferno está cheio".

Para que o exemplo não fique apenas na moral, donde aliás ele se mostra em plenitude, simplifiquemos com outra situação. Em nossa profissão, seja ela qual for, se demandamos realizar algum feito, mas empregamos a ferramenta ou o método inadequado, podemos não ter sucesso na função, ou podemos realizar o ato a um custo incompatível com a necessidade ou com efeitos colaterais igualmente custosos. Por exemplo, imagine um relojoeiro que tentasse calibrar um relógio suiço com uma marreta de pedreiro. Nada contra a marreta e menos ainda desejaria desmerecer a profissão do pedreiro, tão necessária quanto a do relojoeiro, ou ainda mais, se considerarmos que cada vez menos são fabricados bons relógios, que não sejam descartáveis. Mas para cada tarefa, faz-se necessário um método apropriado. As minúsculas e precisas ferramentas do relojoeiro teriam igualmente nenhuma serventia ao pedreiro.

Assim como "os efeitos guardam relação direta com a natureza das causas que os produzem", os métodos devem refletir a natureza dos fins a que se destinam.

Ao tentar exagerar a utilidade de um método, demovendo-o de onde ele é útil e tentando aplicá-lo onde ele não o é, criam-se grande parte das controvérsias de ordem filosófica, religiosa e mesmo algumas grandes discussões negativas, de cunho pessoal.

Louva-se muito a capacidade criativa de nosso povo, que diante da indisponibilidade de meios adequados, encontra "jeitinhos" para, usando-se das ferramentas imperfeitas que tenha a mão, atingir fins que seriam melhor executados com ferramentas mais apropriadas. E por "jeitinhos" me refiro a situações profissionais ou intelectuais, não ao "jeitinho" aplicado a subverter a lei e os costumes em proveito próprio, seguidores literais de Machiavel que muitos de nós ainda somos.

É inquestionável que a criatividade é um recurso poderoso e que pode (e deve) ser usado de forma benéfica, mas o uso de ferramentas inadequadas deveria ser uma excessão.

Talvez, de tanto tomar a excessão pela regra em matérias da vida prática, acabemos por considerar natural também fazer o mesmo na vida moral, e, especulo ainda, talvez daí ao estado de coisas que se discute hoje, a corrupção e a ausência de diretrizes seguras, não seja mais que um passo.

O ato de criar organização não deve tornar-se formalista e meticuloso, visando atender apenas à superfície, mas uma profunda e simples mudança no conteúdo, na essência, de modo a não ceder lugar ao mal hábito de entender excessões como regras, especialmente aquelas excessões que, numa sociedade realmente em linha com o progresso integral, não deveriam ser aceitas nem mesmo como excessões, menos ainda como regra geral.

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