sábado, março 15, 2008

Conhecimento de si mesmo

Questão 919: Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se
melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?

“Um sábio da antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo.”

a) — Conhecemos toda a sabedoria desta máxima, porém a dificuldade está precisamente em cada um conhecer-se a si mesmo. Qual o meio de consegui-lo?

“Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma. Aquele que, todas as noites, evocasse todas as ações que praticara durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que houvera feito, rogando a Deus e ao seu anjo-de-guarda que o esclarecessem, grande força adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria. Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo procedestes em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem, censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai ainda mais: ‘Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?’

“Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos darão, ou o descanso para a vossa consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado.

“O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhoso julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode iludir-vos. Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa. Se a censurais noutrem, não na podereis ter por legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus não usa de duas medidas na aplicação de sua justiça. Procurai também saber o que dela pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, porquanto esses nenhum interesse têm em mascarar a verdade e Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo. Perscrute, conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído do desejo sério de melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores, como do seu jardim arranca as ervas daninhas; dê balanço no seu dia moral para, a exemplo do comerciante, avaliar suas perdas e seus lucros e eu vos asseguro que a conta destes será mais avultada que a daquelas. Se puder dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra vida.

“Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na velhice? Não constitui esse repouso o objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e privações temporárias? Pois bem! Que é esse descanso de alguns dias, turbado sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o homem de bem? Não valerá este outro a pena de alguns esforços? Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente e incerto o futuro. Ora, esta exatamente a idéia que estamos encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais esse futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma. Por isso foi que primeiro chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar. Com este objetivo é que ditamos O Livro dos Espíritos.”

SANTO AGOSTINHO

-- Livro dos Espíritos, final da 3ª parte.

quinta-feira, março 13, 2008

Plantio e Colheita

"A semeadura é facultativa, mas a colheita é obrigatória".

Teçamos alguns questionamentos em torno desta assertiva, hoje um dito bastante popular.

A semeadura é sempre facultativa, de acordo ao menos com o pensamento de Sartre.

Asseverava ele que "somos condenados a sermos livres", significando que embora não tenhamos condições (senão raramente, ou por mantermos uma expectativa realmente baixa) de sempre realizarmos o que queremos (por nos faltar os meios para tal), ainda assim, teremos sempre a condição de escolher, dentre as alternativas remanescentes, aquelas que nos parecerem "menos imperfeitas" (forçando um pouco a linguagem). Impossível seria não escolher, pois isto também seria uma escolha :-)

A colheita é obrigatória no sentido de que, sendo inteiramente livres até o último segundo antes de tomarmos uma decisão e de agirmos com base nela, somos, por outro lado, completamente escravos e responsáveis das/pelas conseqüências, boas ou más, que daí decorram.

Naturalmente que encontramos todos os dias relações de causa e efeito que parecem desmentir ou relativizar esta regra, vide, por exemplo, a aparente impunidade em que vivem certos políticos, e as aparentes injustiças que atingem aqueles a quem não se pode imputar culpabilidade compatível com o sofrimento que experienciam. Afirmar, como afirmo, que estes fenômenos não passam de momentos de percepção e que, ao olhar o quadro do tempo de forma mais ampla, vemos pedra sobre pedra e cada "i" com seu pingo, é um pouco difícil sem esbarrar na necessidade de um sistema de crenças, mas não mais difícil do que negá-lo sem um. No entanto, defender aqui toda uma cosmogonia em poucas palavras seria fugir do objetivo destas pobres linhas.

De acordo com meu sistema de crenças, uma escolha e suas ações resultantes podem ser analisadas por vários aspectos, e um dos mais importantes seria a quem aproveita esta escolha, e a que preço.

Se os efeitos resultantes de uma escolha só aproveitam de modo positivo a quem as confere, podemos conceber, sem grandes problemas, que a escolha é egoísta. Disto não resulta que a escolha seja má, apesar do título de egoísta: É má se o bem a si mesmo realiza-se as custas de outrém, e tola e completamente não racional se resulta em mal a si próprio, especialmente se as custas de mais alguém. É má e egoísta se o bem que se aproveita a si próprio poderia ser dividido (e quiça multiplicado!) com os outros sem com isto deixarmos de receber o nosso quinhão de bem.

Tendo em conta, da maneira que penso, que todo desvio do bem possível (aquele que conseguimos fazer no limiar de nossas forças, que são limitadas) resulta em conseqüências más, podemos então afirmar que toda ação que, apesar de nos trazendo um bem aparente e possivelmente imediato, que ocorra as custas de alguém, é um mal a nós mesmos, dado que a colheita tem a mesma natureza da semeadura.

Então, bem a nós mesmos as custas da infelicidade dos outros também se torna um mal a nós mesmos no longo prazo, e, por esta óptica, os delitos da usura, do roubo e outras coisas inomináveis também são escolhas tolas, uma vez que se tenha a consciência do processo (Não foi por outra razão que Sto. Agostinho afirmou que se os egoístas conhecessem as vantagens em serem homens de bem, buscariam ser homens de bem por egoísmo).

Se, ao contrário, considerarmos uma escolha que venha em detrimento do nosso bem estar, mas cause com isto legítimo bem estar para mais pessoas, resta questionar, em primeiro lugar, se este bem estar é realmente verdadeiro e legítimo.

Se é, resta saber se haveriam outras escolhas menos penosas, pois o verdadeiro sacrifício não consiste no auto-martírio, e sim na abnegação, no desinteresse. Alguém que se auto-flagele faz um mal voluntário e evitável a si próprio, e o mal é sempre o mal, não importando a roupagem com que se camufle. Sofrerá duas vezes, uma pelo plantio, outra pela colheita.

É claro que determinar com exatidão a verdadeira natureza dos nossos atos e intenções nunca é exatamente uma tarefa fácil e isenta, especialmente num primeiro momento.

Mas é a tarefa de tentar que aprimora o método. A este propósito, é interessante ressaltar que todo método visando o incremento da qualidade produtiva em uso no meio empresarial é sempre recursivo, ou seja, tenta aproveitar os resultados e a experiência conquistados numa etapa para a próxima, tornando o processo cada vez mais eficiente.

Podemos aproveitar esta dica, que já é usada no mundo dos negócios interpessoais, para melhor gerirmos os negócios "intrapessoais", as ocorrências do nosso mundo íntimo, que raramente recebem a atenção e o cuidado necessários.

O nosso caminho é nosso, e se podemos (e devemos) ajudar e sermos ajudados, através de nossas escolhas, convém sempre lembrar que há escolhas e ações que não podemos fazer por ninguém, da mesma forma como ninguém as pode fazer por nós.

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