sexta-feira, dezembro 25, 2009

Improvisos

Vou coletar algumas sugestões para posts de improvisos. Geralmente bastam 3 ou 4 palavras, como no post anterior. Deixem uns comentários. Grato!

Gato, Sapato, Nada

Um gato andava por entre arbustos
Procurando, quem diria, mangustos
Mas deparou-se, intrépido, com algo além;
Algo simples, mas que ali não era augusto:

Um sapato, entre a relva, escondia-se.
De verniz preto, feminino, um dia fora belo.
O gato, atrevido, andou a bisbilhotar:
Com seus bigodes, o sapato decidiu-se a dominar.

Cheirou, então, a abertura;
Para sua surpresa, mangusto morto lhe lembrava;
Se falasse, o pobre gato, estaria a declamar:
- Oh meu nariz, que horror, não sinto mais nada!

Do Amor Perfeito

Haviam casado há 20 anos. Não geraram filhos, mas adotaram uma menina, Isabel, que lhes deu rendeu muitas alegrias e algumas noites de insônia. Ela agora estava estudando nos EUA, com uma bolsa que conseguiu em uma importante e concorrida universidade. Seus pais não poderiam estar mais satisfeitos com ela.

Porém, Elói, o pai, encontrava-se, em seu coração, descontente com sua própria vida. Trabalhava há 17 anos na mesma empresa, e há cerca de cinco anos teve seu trabalho reconhecido e começou a ascender, chegando a vice-diretor regional. Era consenso entre seus superiores que ele seria o indicado a diretor no próximo ano.

Conquanto representasse uma importante vitória na vida de Elói, ele sentia falta de algo que não saberia definir. Sentia como se lhe faltasse algo. A empolgação que lhe dirigiu a adolescência, a alegria do casamento, da lua de mel, das viagens com a esposa, e finalmente, a adoção da filha, que agora estava longe. Sua esposa, Helena, sempre prestativa e atenciosa, estava sempre a seu lado, nos momentos felizes, e naqueles, nem tão felizes. Mas estava confuso sobre os sentimentos com relação a esposa. Sabia amá-la, mas sentia falta daquela ternura do namoro, daquele brilho apaixonado nos olhos dela.

Durante uma viagem de negócios, conheceu uma moça muito bela e sedutora, que demonstrou por ele uma afeição e um carinho que, inconscientemente, lembravam-lhe dos primeiros meses de namoro com Helena. Procurando não dar um passo do qual pudesse se arrepender, procurou esquivar-se dela, e voltando a casa, ponderava sobre o que queria para sua vida.

Embora não houvesse se envolvido com a moça, e nem deixado ela perceber que o interesse dela o havia perturbado, em sua mente, ele já se encontrava seduzido pela idéia de vir a apaixonar-se, de reviver aquela emoção e aquela sensação de tudo ser possível, de a felicidade ser tão simples e ter um preço tão pequeno, como fosse quase gratuíta.

Os meses passaram, e como havia perdido o contato com a moça, não pensava mais nela em particular, mas a idéia de que o casamento talvez estivesse lhe sendo uma prisão não o abandonava.

Chegou em casa num dia ensolarado e encontrou a esposa cuidando do pequeno jardim que tinham em frente a casa. Ficou ali sentado, nos dois degraus ante a porta principal de casa, observando enquanto ela cuidadosamente podava as roseiras. Ela sequer havia se apercebido.

- "Eu a amo", pensou consigo mesmo. Sabia que se a deixasse, arriscaria jamais encontrar alguém que o compreendesse e o incentivasse da maneira com que ela faz.

Decidiu consultá-la, de maneira indireta (para que não a magoasse), sobre o que lhe incomodava a alma. Pois além de esposa e mãe dos seus filhos, era ela também sua melhor amiga e conselheira. Mas seria uma tarefa delicada, expor sua angústia sem que ela percebesse o tamanho e as preocupações que lhe rondavam a alma.

Após o jantar, introduziu o assunto, certo que conseguiria controlar a situação e não dizer nada que a ofendesse:
- "Querida, ..." -- Disse ele -- "Você é feliz ao meu lado?"
Ela, algo surpresa, sorriu e disse:
- "Certamente, meu bem. Todo dia ao seu lado é sempre um dia de boas surpresas, como esta."
- "Como assim?" -- Perguntou ele, visivelmente surpreso e tentando entender o que ela dizia.
- "Fazem meses que você está inquieto, algo triste. Quando tento conversar você muda de assunto, e não tem respondido tanto ao meu carinho. Está cada vez mais introspectivo. Eu sabia que você iria me procurar para conversar, mas não esperava que fosse hoje, por isto a surpresa."

Pronto. Havia ela descoberto tudo. E virado o jogo. Ele já sentia a transpiração começar a aparecer na sua testa. O tempo parecia haver parado. Ele precisava saber o que dizer a ela, para não dizer nada que pudesse se arrepender depois. Antes que pudesse abrir a boca, ela deu uma curta risada, segurou nas mãos dele e prosseguiu:
- "O que eu posso fazer pra você voltar a sorrir pra mim como quando me pediu em namoro, todo sujo de lama e com um buquê de rosas batidas, tudo por que um ônibus passou em uma poça na sua frente, bem na hora que eu te vi chegar?"

Ele respirou aliviado, e sentindo uma imensa felicidade da qual não lembrava, disse:
- "Até hoje não sei como você pôde aceitar aquelas rosas. E aceitar aquele homem envergonhado e sujo de lama como seu namorado."
- "Foi fácil. Estudavamos na mesma classe, eu te conhecia de vista. Quando te vi chegando, com o cabelo cheio de gel e com um buquê de rosas, não imaginei que seriam pra mim. Fiquei com inveja da menina que as receberia, fosse quem fosse, por que nunca ninguém havia me trazido rosas. Aí o ônibus passou, te sujou, e vi a expressão de medo, de pavor, no seu rosto. Você notou que eu estava te olhando, e, ao invés de fugir veio, timidamente, em minha direção. Eu pensei que você fosse me perguntar algo, como se eu havia visto alguma menina, para a qual você quisesse dar as rosas. Mas aí você olhou nos meus olhos e disse: Helena, eu sou um idiota, mas eu gosto muito de você e queria que aceitasse estas rosas. Eu quase desmaiei, mas eu sabia naquele instante que iria me casar com você. Qualquer outro homem teria ido embora quando o ônibus o sujasse, mas você não. Eu sabia que a sua roupa estava suja de lama, mas o seu coração estava limpo. E naquele instante eu só via o seu coração"

E a conversa seguiu animada, cheia de recordações deste período, algumas felizes, outras um pouco difíceis, como quando um antigo namorado de Helena voltou de viagem e queria tentar voltar com ela. Ao contar isto, ambos riam das situações embaraçosas que enfrentaram por conta disto, mas na época em que elas aconteceram, foi algo difícil para ambos superarem.

Foram dormir. Helena se achegou aos seus braços, e dormiu, carinhosamente, segurando a sua mão. E foi então que Elói percebeu que era disso que ele sentia falta: da intimidade. Intimidade que tanto a rotina, quanto as mudanças bruscas de vida, as viagens, a ida da filha para o exterior, acabaram por distanciar. Intimidade que, supondo houvesse outra mulher no mundo que pudesse lhe compartilhar, jamais seria aquela, especial e única.

Entendeu que poderia buscar sua esposa sempre que tivesse dúvidas, preocupações, e que não deveria permitir que a distância entre eles atingisse o ponto de passar meses com um ponto de interrogação na cabeça, algo que poderia ser solucionado com uma conversa ou, por que não, com um sorriso.

No outro dia, pela manhã, quando saía ao trabalho, a esposa o segurou na porta de casa, lhe beijou com ternura, olhou-o nos olhos com profundidade e lhe disse:
- "Meu amor, quero que você saiba que sou feliz pela sua felicidade estar ao meu lado, mas se um dia deixar de estar, e você me disser que a sua felicidade só pode ser alcançada na lua ou em qualquer lugar, longe de mim, onde outra pessoa estará a teu lado que não eu, eu quero ser aquela que vai te levar pela mão até a lua, mesmo que eu tenha que voltar sozinha de lá."

E com outro beijo, despediu-se.

Ele saiu algo perplexo e foi ao trabalho pensativo, com o coração e a mente pensando a mesma coisa.

Helena talvez não tenha percebido, mas foi naquele instante, através das suas palavras, que a vida de Elói fora transformada em definitivo. Naquele instante ele percebeu, como nunca antes havia, o que era amar. E que apesar de ser muito importante ter amor, ser amado, o que engrandece alguém não é a quantidade de amor que recebe, mas o quanto ele próprio ama, de amor verdadeiro, daquele amor que nada espera em troca, por que o amor é assim, abre mão de si mesmo por aqueles que lhe são amados, e ao fazê-lo, dividindo-se, acaba por multiplicar-se.

Foi neste instante que Elói entendeu o que se passou muitos anos antes.

Ele ainda não trabalhava na empresa em que hoje atua, estava em um modesto emprego em uma pequena empresa, havia se casado há apenas um ano e não pensava em ter filhos, por que o preocupava como iria mantê-los.

Mas um dia Helena o convenceu a irem ao orfanato. Lá viram Isabel, e o que era para ser uma visita rápida para sondarem possibilidades futuras de um dia adotarem filhos, se transformou numa tarde toda brincando com a pequena sorridente, que exibia aqueles quatro dentinhos de leite, ainda nascendo, como se fosse a mais perfeita dentição do mundo, num sorriso de orelha a orelha que lhe franzia as sombrancelhas.

Saiu de lá com um aperto no coração que não sabia descrever. Dois dias depois, saindo do trabalho, chegou um pouco tarde em casa e disse a Helena:
- "Quero saber se você quer assinar este papel. Eu já assinei, mas se você não estiver pronta, eu acho que posso esperar."

Helena quase caiu de susto quando viu que era o papel da adoção da pequena Isabel. Ele havia estado no orfanato instantes antes e pego os formulários para dar entrada no pedido, que dependia também da assinatura dela. O que ela mais queria era ter filhos, mas Elói preocupava-se se poderia mantê-los, afinal seu emprego então era modesto, e sempre dizia a ela que "um dia pensaria no assunto". E agora ele estava ali, todo decidido, com o papel na mão.

Quando Elói entrou naquele orfanato pela primeira vez, era um homem. Quando, no dia seguinte, adentraria por aquelas portas pela terceira vez, levando o formulário e todos os demais documentos requeridos, já não era mais o mesmo.

Havia percebido que, não importavam mais as dificuldades, se o salário era apertado ou não. Quando viu aqueles dentinhos de leite sorrindo naquele rostinho, ele sabia que iria vencer. Que por mais fosse imperfeito, sentiu no seu coração que seria o melhor pai que aquela criança poderia ter, só não sabia ainda por quê.

E agora, passados tantos anos, ainda profundamente em reflexão com as palavras de Helena, sorri com o coração cheio de alegria. Ele sabe o por quê. E sabe que valeu a pena.

Se alguns de nós ainda não sabemos, não nos preocupemos. Este instante chega para cada um de nós, e nos é inútil, nocivo até, tentar apressá-lo.

O amor que recebemos é como semente que plantada no deserto dos nossos corações, tenta vencer a terra seca e o sol escaldante das paixões e vícios. Como não recebe nutrientes suficientes, no começo nem germina.

Mais tarde, com o tempero da luta e das dificuldades, encontra um pouco de umidade e consegue iniciar a desenvolver-se. Como o solo ainda é muito hostil, a pequena planta morre, e decompõe-se. Mas não se perde: vira adubo, que melhora o solo.

Um dia, a combinação perfeita se dá: o solo regado de chuvas, com nutrientes apropriados, e nele cai a semente do amor, que recebemos de presente daqueles que se importam conosco.

E é desta árvore, que é a soma do amor que recebemos com o esforço que empregamos em preparar nosso próprio terreno do coração, que saem os frutos e as sementes do nosso próprio amor.

Não antes, nem depois, do instante em que estamos prontos.

E não estaremos prontos até que possamos dizer: "Quero que você saiba que sou feliz pela sua felicidade estar hoje ao meu lado, mas se um dia deixar de estar, e você me disser que a sua felicidade só pode ser alcançada na lua ou em qualquer lugar, longe de mim, onde outra pessoa estará a teu lado que não eu, eu quero ser aquele que vai te levar pela mão até a lua, mesmo que eu tenha que voltar sozinho de lá."

Acho que não preciso dizer mais nada, mas vou deixar meu amigo Drummond dizer algo :-)

"A cada dia que vivo, mais me convenço de que o disperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade" -- Carlos Drummond de Andrade

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Este texto eu publiquei em 1º de maio de 2005. Estava eu procurando por outro texto quando de repente dei de cara com ele. Eu sequer havia gostado, quando escrevi. Mas hoje, por razões que a própria razão desconhece, eu achei que ele merecia ser republicado.

quinta-feira, dezembro 24, 2009

Da falta

Tuas sílabas não encontram ouvidos,
Tuas letras não encontram olhos,
Teu pensamento a ninguém importa,
Teu olhar ninguém contempla,
Ao teu colo ninguém recorre,
Ao teu coração ninguém preenche,
O amor que amas, ninguém o quer.

Tu és o espectro do que foste,
O esquecimento do que quiseste,
A desistência da luta,
A perda da razão;
Apenas por que, vil ignóbil,
Assim o escolheste,
e assim continuaste sendo.

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Deep Breath

Uma brisa suave toca-lhe o rosto. Levemente, mas o suficiente para ser percebida.
Alguns raios de sol escapam por entre as nuvens, e apesar de parecer querendo afugentar-se entre as árvores, chegam a atingi-lo em cheio, porém não de uma forma incômoda.

Parado ali no alto da colina, ele sente o coração desacelerar e a respiração calar-se. Acomoda-se, contemplando apenas estas pequenas coisas que, conquanto nos acompanhem por todo o processo evolutivo, parecem cada vez mais distantes de nosso cotidiano, tão envolvidos que estamos nas coisas abstratas que acostumamos a chamar de práticas, enquanto abstraímos a realidade pratica que nos cerca e da qual nunca conseguimos nos desvencilhar totalmente.

Ali, naquele lugar, o que ele percebe, ainda que em relance imperfeito, é aquela paz que todo homem, intimamente, procura, mas que apenas poucos chegam um dia a encontrar.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Escrevendo a dor

Se a ponta do lápis / A dor houvesse de carregar
Um estojo multicolorido / eu iria te comprar
E de múltiplos tamanhos, e com odores e desenhos

Para que, minha querida, quando escrevesse teus anseios,
Tua mente esvaziasse e teu coração se aquietasse
Em cores e traços, em palavras e cheiros,
Se na ponta do lápis / A dor eu conseguisse sequestrar.

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Esse poema de improviso foi um presentinho pra Robs. Como ela gostou achei por bem registrar. :-)

terça-feira, dezembro 08, 2009

Recusar, nada, Invisível

Seria simples,
Não fosse nada;

Mas algo que é, e o é, recusando;
E ao recusar, nega e se nega.

Nada é pois o que parece,
E se outrora fosse, em nossas mentes;

É por quê em dias vimos e em dias sentimos,
Ainda um inolvidável invisível de não sei quê;

Que nos engana a mente e anestesia o coração;
Que nos faz esquecer a origem da razão e a razão da origem,
Que nos leva a pensar sobre o hoje com olhar cansado e coração apertado.

Mas amanhã, que se abre 'nda hoje, é vitória aberta,
Aos que aproveitam e vivem,
Aos que ao recusar o nada,
Aceitam, por verdade, o invisível.

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