sexta-feira, janeiro 28, 2011

Do mal menor

Existe uma idéia algo tentadora de que, as vezes, seria possível fazer certa quantidade de bem, mas para isso, seria necessário fazer um pouco de mal.

Quando a proporção de bem parece absurdamente maior que o mal, especialmente quando este último parece, por comparação, tão insignificante, que chega mesmo a parecer, por contraste, que não é mal, especialmente quando te parece que qualquer efeito nocivo pode ser revertido, aí essa idéia parece mesmo inevitável, uma oportunidade em um milhão. Quem deixaria passar?

Você! Você, que lê, se ainda não caiu nesta cilada, não caia...

Quando as pessoas envolvidas se arvorarem em torno de teu julgamento, não pense que o prato do bem estará automaticamente preenchido e que seu peso na balança será automaticamente contabilizado a teu favor. As pessoas não enxergam automaticamente ações dúbias (e não posso tirar-lhes a razão) como passíveis de produzir quantidade representativa de bem.

Então, antes de, apressadamente, se colocar em uma situação que provavelmente não tens condição de medir o preço, pense bem: este pode ser bem maior do que aparenta. Há situações que não nos pertencem, e se o único meio (aparente) de fazer muito bem, é com uma atitude questionável, se abstenha: para o observador externo, é impossível fazer a coisa certa do jeito errado. E talvez, até mesmo de modo absoluto, o observador externo possa ter toda a razão do mundo, ainda quando você recorde da animação que a idéia te produziu e do bem que esperava almejar. Só você recordará, e se isto pode ter te parecido mais do que suficiente, eu te adianto, meu amigo, que dificilmente o será.

segunda-feira, janeiro 24, 2011

Mesmo homem, mesmo rio

É. Heráclito de Éfeso disse que um homem não cruza o mesmo rio duas vezes. Justificava ponderando que, da segunda vez que tentasse, nem seriam as mesmas águas, e nem seria ele o mesmo homem.

De um ponto de vista material, é fácil ver sentido, no que tange ao rio. Quanto ao homem, ainda de um ponto de vista material, é sabido que com o tempo, grande parte de sua composição molecular já foi substituída, pois que quase todas as células do corpo possuem vida relativamente curta, em comparação a expectativa de vida do conjunto.

No entanto, do ponto de vista das sensações, quando cruzei o rio pela segunda vez, me pareceu o mesmo. E eu percebi, forçadamente, que ainda era o mesmo homem, com as mesmas conquistas, mas, sobretudo, com as mesmas limitações e falhas.

Até pior, do ponto de vista das percepções mais imediatas, pois que, desta vez, eu já não demonstrava a mesma tolerância, a mesma esperança. As mesmas águas que me conduziram a margem, somando-se as minhas forças, agora pareciam, na ausência destas últimas, me dragar ao fundo.

Mesmo rio, mesmo homem. Até quando?

sábado, janeiro 08, 2011

O conto da pá de cal

Olho para o sepulcro em que te depositei
Me é indiferente se estivera vazio
Ou cheio dos sonhos que não são meus

Olho para a roupa com que te adornei
A última que vestiste
Diante de meus olhos já cansados

Olho para a terra que te aguarda
Antevejo os vermes que te devoram
Penso em tudo que não foste

Olho para o coveiro infeliz
Mas infeliz é tu, que morre em vida
E ninguém aqui te verte lágrimas

Olho para a pá ao lado
E no monte de cal, a preencho
Te cubro o sepulcro em alva mancha.

Olho para a saída,
Pego minha jaqueta, e sigo
Sem precisar olhar pra trás.

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