segunda-feira, outubro 09, 2017

Muito e muito pouco

Lembro de um prof. de introdução à economia comentando de um colega que tinha muita dificuldade com o conceito do "lucro econômico tender a zero". "Terminou o mestrado dizendo que ainda não estava totalmente convencido", disse ele.

É perfeitamente cabível a dificuldade. A ideia é que em um mercado competitivo, tudo mais permanecendo constante, há um limite efetivo na quantidade de retorno financeiro que você pode ter para cada quantidade aplicada - no longo prazo. Vamos supor que alguém descobrisse que uma matéria prima abundantemente barata quando misturada com água pudesse substituir com perfeição a tinta de impressora (pra quem não sabe, tinta de impressora já foi e talvez ainda seja uma das coisas mais valiosas do planeta, se considerar o preço final/peso).


Assim que alguém consegue ter um retorno mais alto investindo capital nesse tipo de coisa do que na média de qualquer outra, abundam tanto investidores tanto empresários dispostos a investir nisso. Via de regra o retorno é muito bom até o mercado consolidar, mas o sobreinvestimento faz com que ocorra excesso de oferta e agora muitos começam a ter retornos muito menores do que no momento inicial. Alguns desfazem o investimento e o mercado se equilibra para ser compatível com o tamanho da demanda e o lucro possível acaba sendo mediano. Quando aparece alguma outra oportunidade, muita gente desinveste desta área e vai atrás da nova "serra pelada" econômica.


O porquê da dificuldade com o conceito? Em mercados pouco diversificados, com baixa competitividade e restrições à entrada, a distância do curto prazo (lucro econômico setorial) ao longo prazo (quando há competição e ele zera) pode ser superior ao tempo de vida de uma geração. E como culturalmente não se pensa muito a longo prazo, e, me parece que só as civilizações orientais já foram capazes de viver no curto prazo só plantando e sem colher; Me parece perfeitamente possível que a maior parte das realidades econômicas de longo prazo sejam desprezadas.

Que dirá então dos futuros mercados, onde se estima que o problema da super abundância traga problemas tão difíceis de gerir no curto prazo quanto foi a carência (de capital, de liberdade, de conhecimento, etc.) que nos conduziu até aqui? Se os futurologistas estiverem certos e houver o barateamento dos custos de produção de quase qualquer coisa, o que a economia terá a dizer? A "ciência da escassez" já tem dificuldades com a própria, imaginemos com o oposto.

quinta-feira, setembro 14, 2017

A ver

Thomas Malthus pensava que a economia sofreria forte declínio com o aumento populacional devido a disparidade entre a estimada progressão geométrica da população e aritmética dos recursos disponíveis. Em especial quanto as terras agriculturáveis, ele estimava que elas esgotariam em pouco tempo, e considerava o controle de natalidade como medida necessária. Os séculos seguintes foram caracterizados por forte expansão populacional e por moderado aumento nas áreas agriculturáveis. Mesmo antes do boom tecnológico atual, ele não previu que simples metidas como a rotação da área plantada e intercalamento de espécies conseguiria aumentar a produtividade do mesmo alqueire de terra, além do aumento do comércio transnacional, que incorporou produtores que não estavam contabilizados ao pool global.

Vejo os ativistas da negação das alterações climáticas como moradores do outro extremo. Se Malthus via o crescimento desordenado da população como o fim da civilização e início da barbárie, os negadores são capazes até mesmo de extrapolar o erro de Malthus para um credo, espécie de "wishful thinking", onde imaginam que a terra dá conta do que quer que joguemos nela. De certa forma, estão corretos, a terra dá, a vida sob sua superfície é que tem limites bastante frágeis.

Até recentemente, por coerência, eu teria que dizer apenas "pode ter limites bastante frágeis". Mas quando painéis científicos fecham consenso, nós podemos fechar junto,até que modelos e experimentos melhores aumentem o grau de certeza sobre qualquer problema. É extremamente difícil fechar um consenso científico. Normalmente são precisos 25 anos, as vezes mais, de fortes evidências. Leva menos tempo convencer o setor de aviação mundial a trocar um equipamento mecânico por um eletrônico (bem testado). Dá pra testar com sucesso umas 3 a 4 gerações de drogas psicotrópicas, incluindo desde a pesquisa e estabilização bioquímica até o teste em humanos e aprovação por agências reguladoras. Se houver falha do processo as agências já terão tempo inclusive de retirar os medicamentos do mercado.

Não é necessário cairmos no cientificismo para confiarmos na ciência. Mas é preciso respeitar os limites do tempo: tempo de pensar, tempo de agir.

Os poluidores do mundo estão se dividindo em dois fronts: os que já começaram a se mover em direção à novas tecnologias, estando convencidos da necessidade de abandonar as velhas práticas, e os que resistem, acostumados ao baixo custo extrativista dos elementos que já dominam e comercializam. Só que o a tecnologia novamente virá para virar a balança: em alguns países hoje, embora não ainda de forma constante, na média já é mais barato usar energia limpa do que suja. As medidas protecionistas do Trump nos EUA são criticadas pelos próprios poluidores que responderam a ele que "o carvão é insustentável, os preços vão subir". Novas tecnologias para captação solar que ainda não viraram produtos comerciais prometem tirar outros 90% do custo total de propriedade de pequenas a grandes instalações solares.

Bastaria uma canetada da união européia ou da china exigindo determinados tipos de certificação ambiental para que países como Canada e Brasil percam da noite para o dia suas principais fontes de exportação. É necessário antecipar-se ao problema. O caso do Brasil é ainda mais grave, dado o baixo grau de complexidade econômica: do acumulado de exportações 2016/2017 até o momento, que totaliza 140 bi (pouco para um país do nosso porte), 69 (quase a metade) é composto de produtos primários, de baixa complexidade.

O que vocês acham que vai acontecer à economia brasileira quando países africanos detentores de forte potencial agriculturável e com depósitos minerais ainda inexplorados alcançarem o nosso grau de complexidade industrial? Vários deles começam a atingir a primeira década em tempos de paz. Forte investimento estrangeiro (brasileiros, inclusive). Sem legislação protecionista, eles podem simplesmente importar tecnologia à vontade, coisa que nós não podemos. Em quanto tempo nossas commodities terão custo de extração superior ao custo de venda por estes países? O que nossos empresários (nem estou falando em governo) estão fazendo? As grandes indústrias da extração mineral pelo jeito só querem acelerar seu processo extrativista enquanto podem, sem o pensamento de longo prazo que separa os homens dos meninos. Podem ser meninos afortunados, sem dúvida, daqueles que torram a herança que a terra lhes legou. A ver.

Pesquisa google