quarta-feira, dezembro 28, 2005

Sociedades

As sociedades se formam geralmente consentidas e com propósitos bem determinados, ou ao sabor do tempo e da experimentação de diversos conflitos entre estes mesmos propósitos.

É assim que erguem-se as civilizações, ou formam-se as empresas, com ou sem fim lucrativo, visando satisfazer a certos objetivos através da elaboração de responsabilidades e planos de meta para cada uma das entidades responsáveis por um aspecto da mesma, sejam estas entidades individuações ou sub-grupos.

Ocorre que a objetividade não é uma realidade auto-sustentável, não é um fim em si mesma senão por instantes mais ou menos breves. Faz parte da natureza humana procurar o que está além, não se conformar com o chão, mesmo quando momentâneamente parece satisfazer-se.

Mesmo o mais pessimista de suas possibilidades, que contempla as estrelas, não pode se esvair daquele sentimento de que 'o mundo é tão grande, há tanto por fazer', e embora não reconheça a potência de seu próprio ser, de sua vontade, e mesmo ainda que nada faça, até ignore a idéia, ela está lá: a necessidade de progredir.

As sociedades, em sentindo amplo, como os povos, as etnias, as agremiações de toda espécie, as sociedades comerciais e culturais, as sociedades matrimoniais, as sociedades informais da amizade, da soliedariedade, da simpatia, enfim, das maiores as menores, todas elas se originam visando a um fim, e o propósito e a duração da sociedade estão condicionadas a natureza deste mesmo fim; Os objetivos duradouros mantém sociedades duradouras, os objetivos pontuais formam sociedades pontuais que se desagregam uma vez que seus propósitos tenham sido cumpridos.

Dizem que as sociedades comerciais são formadas visando o lucro, é uma teoria fácilmente comprovável e, controversamente, falsa, ao menos no Brasil: não tem objetivo final ter lucro quem abre uma empresa no Brasil para por exemplo, vender pregos. O objetivo dele não pode ser simplesmente descrito como 'obter lucro', mas ao menos como 'obter lucro através da venda de pregos', e isto não é simplesmente a mesma coisa, por que se o objetivo fosse ter lucro ninguém vendia pregos, aplicava em títulos do governo que rendem mais que a exploração da maioria dos setores produtivos da economia, com louváveis excessões, mas certamente vender pregos, ou pastéis, ou montar uma oficina, uma franquia de alguma rede de alimentos, recolher impostos e pagar encargos trabalhistas não é mais vantajoso do que aplicar o dinheiro, e no entanto, o país inteiro faz. Não é por desinformação, embora ela exista. A questão é que o dinheiro não é tudo na vida, mesmo que nossos bolsos pensem o contrário a medida que vão ficando mais leves.

A verdade é que formamos sociedades por razões outras que obter vantagens em pontos ótimos de equações, por sistemicamente perfeitas que estas fossem (e não as são). Queremos sim ganhar dinheiro, obter sucesso de outras formas, mas queremos fazer isto do nosso jeito, com aqueles assim chamados "dons" que possuímos, através da nossa interação com aquelas coisas que nos chamam a atenção no mundo e gostaríamos de poder nos orgulhar de levarem elas um pouco do nosso trabalho. O engenheiro que constrói uma ponte, aeronave ou até uma casa de sapê, por quê não, pode ter como prioridade contar quanto isto lhe acrescentou ao banco no fim do mês, ou pode, além da natural preocupação em sustentar-se, observar a sua obra e sentir aquela paz do dever cumprido, aquela sensação talvez até arrogante de saber que foi ele quem deu origem aquilo tudo. Naturalmente os menos cheios de si mesmos saberão que todos que colaboraram na obra também deixaram ali a sua marca, ainda que ela seja invisível.

O instante do término das sociedades, embora não seja fatal, é determinado em geral pela natureza da causa que a formou. Se há o desejo de construir mais pontes ou mais pastéis, a sociedade ainda tem um propósito e se mantém. Se obter dinheiro era o propósito e se este foi o bastante, não há por que ficar, é Adeus, são outras paragens.

O casal que se formou por interesse monetário de uma ou ambas as partes, ou por momentânea atração sexual ou alguma dependência psicológica mal resolvida, ou por qualquer outro interesse intrinsicamente passageiro, terá sua sociedade dissolvida quando a causa que a deu origem se encontrar realizada, satisfeita, ou desiludida. As causas mudam, é verdade, e aquele que era um sonhador pode desiludir-se, aquele que era idealista pode cansar-se e corromper-se, e aquele que era um interesseiro pode vir a encontrar uma motivação mais nobre na situação que ele mesmo criou por propósitos menos respeitáveis, mas a verdade é uma só: as causas determinam os efeitos, e quando as causas cessam, os efeitos as seguem: todo final teve um começo.

Ninguém espere atingir resultado diferente, se continua fazendo as coisas como sempre fez, esperando que "o seu jeito" dê certo um dia. Se não deu certo na primeira, nem na centésima vez, e recorde que um ano tem pelo menos trezentas e sessenta e cinco oportunidades de por o "seu jeito" a prova, talvez esteja mais que na hora de procurar mudar o "seu jeito".

Cada dia que passa, através de nossos atos, renovamos as sociedades a que pertencemos, sejam estas formalizadas ou não, conscientes ou não, através das escolhas que confirmamos, renovamos, ou que desfazemos.

No que concerne as escolhas, recordo (mais uma vez) Jean Paul Sartre, quando dizia que estamos condenados a sermos livres. Não podemos nos omitir de escolher; Se nos omitimos dentre as opções disponíveis, escolhemos nos omitir, e esta é uma escolha como qualquer outra, com suas consequências. A omissão é portanto uma ação. Não escolher é escolher não escolher. Postergar decisões é escolher postergar.

As sociedades nascem entre os pais e os filhos, entre os irmãos, entre os que vivem em um mesmo lar, entre os que finalmente se unem para constituir um novo lar; As sociedades nascem quando criamos uma nova amizade ou até mesmo quando dizemos bom dia no elevador, mas talvez as sociedades não sejam assim criadas, sejam descobertas, talvez a sociedade entre a semente do girasol e o sol seja confirmada através da planta que nasce quando "morre" a semente, mas provavelmente já existia antes de se confirmar.

Os pensamentos que nos impelem a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa, o trato que temos para conosco mesmo e para com nossos organismos, talvez estas coisas sejam os germens da sociedade que firmamos conosco mesmo ao nascer.

Sera que os objetivos desta sociedade cujo processo para o nascimento leva em torno de 9 meses, são exclusivamente ter lucro? Por ventura não seria ter sucesso, um conceito mais amplo (é tão amplo que cada um terá uma definição própria para ele)? Será que é menos sucedido o caiçara que contempla o por do sol em seu barco, do que o banqueiro que educou seus três filhos? Qual sociedade determina se valemos alguma coisa, se somos sucedidos: a sociedade dos homens vivos que estão mortos, sepultados na pobreza moral em que se encontram muitos daqueles que deveriam ser nossos exemplos para a vida, ou a sociedade que temos com nossas próprias consciências enquanto indivíduos, ou ... ? Quem dirá?

Possuímos a nosso serviço um aparato de 60 a 100 trilhões de células, uma sociedade harmônica que nos serve sem grandes problemas.

Que fazemos para honrar esta sociedade que nos serve?

Nenhum comentário:

Pesquisa google