sexta-feira, janeiro 22, 2010

Devaneio da partida

Quando é chegada a hora da partida, conscientemente, não adianta dizer muita coisa que já não tinha sido dita. Mal dá tempo de olhar pra trás. É erguer o pé para alcançar o primeiro degrau da escada do trem, e embarcar.

Nada resta senão se acomodar na poltrona, e, quando é o caso, olhar pela janela e ver os rostos queridos dos que ficam, a acenar um até logo, que, mal sabem eles, pode ser um instante um pouco mais demorado, pois não acredito em dizer Adeus. Quem sobrevive a um até logo de 3 séculos sabe o que quero dizer. Pouquíssima gente sabe o quero dizer. 300 anos é muito mais que nosso corpo e seus neurônios conseguem mensurar.

A vontade de ficar é irrelevante. Não dá pra devolver a passagem. Não dá pra voltar no tempo, tampouco. As águas não retornam, o rio não remonta a sua nascente, o tempo nada desfaz, senão memórias incompletas, pois memórias cheias são resignificadas, mas nunca apagadas. Perde-se a nuance dos detalhes pois os detalhes lá de trás, quando se anda pra frente, deixam gradativamente de ter sua importância temporal, mas o vivido, o sentido, o superado, é de certo modo atemporal, teve origem, mas não terá fim. A essencia se preserva, a palavra se perde.

O trem não chega a desligar o motor, enquanto está parado na estação. Espera o condutor, pacientemente, o horário da partida, e este, quando soar, será respeitado. Nem antes, nem depois, nem más, porém, talvez; O trem seguirá, e todos nele serão guiados a seu destino inexorável.

Não guardo arrependimentos, sequer teria como. Sigo, não totalmente confortável, mas de alma mais que conformada. Meu único pesar é olhar pela janela e ver teu rosto ali na estação, meio em dúvida sobre o que sentir. Quando vejo teus olhos me dizendo até logo, e os meus tentando não te dizer adeus, meu coração sente uma pontada. A certeza do futuro me faz até mentiroso, pois tenho certeza que nada percebes.

Dentro em breve, o trem partirá, e terei deixado minha vida toda pra trás como quem troca de roupa, tamanha minha aceitação. Resolvi tudo que podia resolver, e encontrei forças para encarar a realidade de que ao resto, não me compete fazer nada. A responsabilidade necessita da liberdade, portanto, se ao limiar de minhas forças, nada posso fazer, nada devo fazer; Nenhuma culpa, remorso, ou parêntese posso sustentar. Nada deixo em suspensão, nada deixo em aberto.

Encerro minha vida com a satisfação de ter cumprido meus deveres, e com a consciência plena das imperfeições que tive neste mister. De todas as vezes em que, me confiando o destino dos outros, interferi visando meus próprios interesses, ao ponto de ter que refazer inúmeras vezes tarefa simples que tornei complexa.

As portas se fecham. Não levo comigo um até logo de 3 séculos, sei que será bem menos que isto. Mas há sim um adeus, que meu coração insiste em refletir. Quando eu voltar a fitar teus olhos, já não seremos quem somos hoje. O brilho no teu olhar terá outras cores, o teu sorriso terá a mesma espontaneidade, mas outra configuração.

Sei que neste intervalo que nos define, tanto farás, e tanto farei, que jamais poderemos nos olhar do mesmo jeito. Terás outras experiências, outros valores, como os teve até aqui. Também eu seguirei meu caminho, com as escaladas e os tombos que me são de inteira responsabilidade.

E apesar disto tudo, e apesar de saber que, com estes olhos que dizem até logo, não seres capazes de entender meu olhar que diz adeus, sei que, no fundo d'alma, entende, sem palavras, a parte do meu olhar que diz simplesmente "amor".

As portas agora se fecham. O maquinista comanda o arranque. Já não estou mais contigo. Sempre estarás comigo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Isso parece tão... triste.

Alexandre disse...

É uma lágrima. Mas elas secam :-)

Marina S. disse...

que bonito, mas triste :(

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