quarta-feira, novembro 24, 2004

Do cume da montanha

A excessão, talvez, dos que sofrem de algum tipo de masoquismo patologico, ninguém em sã consciencia gosta de sofrer. Alguns com uma visão algo distorcida podem ver no sofrimento solução para algum complexo de culpa, ou algum tipo de mérito ou beleza mórbida e romântica.

Basta lembrar dos religiosos de várias épocas que, por alguma aberração do entendimento, se impunham o auto-flagelamento, como se isto aproveitasse em algum bem para quem quer que fosse; eis aí, aliás, a chave da inutilidade de certas medidas: não aproveitam em nada para ninguém, e além disso, causam mal para si e para os que se importam consigo.

Um vez isto que isto esteja bem claro, que não sou do time masoquista, posso dizer que me sinto feliz diante do que tem ocorrido comigo. É óbvio que eu não diria isto se me sentisse como me sentia digamos até ontém cedo, mas agora, que tenho momentos de paz, observo que coisas interessantes aconteceram.

Em primeiro lugar, me vejo forçado a admitir que não vinha prestando suficiente atenção nas coisas. Em alguns aspectos, me preocupava mais com os acontecimentos negativos do que com a miríade de coisas positivas que me tem acontecido, diariamente. E, naturalmente, esta postura não ajuda a enfrentar certas condições. Hoje vejo que não tenho aproveitado e dado valor a cada pequena benção que faz possivel levar cada dia, desde o nascer do sol, até a gentileza e o cuidado que as pessoas, mesmo algumas estranhas, dispensam para comigo, sendo que, por vezes, me vejo fazendo o contrário, sendo rude até.

Em segundo lugar, o medo. Está certo que a depressão, ou seja lá o que isso for, amplifica e distorce as sensações, mas o medo tem sido algo até mesmo a nível consciente. Não consigo entender onde começo a alimentá-lo, mas o fato é que o faço, e a verdade é que não tenho por que me sentir inseguro com relação as minhas idéias, meus pensamentos. Não posso esquecer que elas são o fruto de tudo que passei até aqui, e por frágeis que sejam algumas delas, ainda assim não sou exatamente um perdido no mundo, afinal, eu tive razões e experiências suficientes para construir um mínimo de fé na vida e auto-confiança. Não acredito em mim, e não tenho minha visão de vida, por convicção ideológica pura e simples, cético que o sou, mas por que passei por situações que, indubitavelmente, me mostraram que as coisas são e/ou podem ser da forma que imagino serem. É claro que frequentemente descubro que interpretei errado, que exagerei ou faltei em alguma observação, mas a essência já foi posta a prova, diariamente, e não é necessário caia o céu sobre a minha cabeça para que eu perceba isto (ao menos, espero que não mais).

Por último, mas não por menor importancia, não creio ter autoridade para dar conselhos, mas deixo um, de metido mesmo: Cuidado com a vontade. A vontade é um atributo com potêncial criador, mas como toda ferramenta, pode ser usada para construir, ou destruir; de modo equilibrado ou não, e como tal, muita atenção se faz necessária quanto ao seu uso.

Quando a euforia te dominar, cuidado: usa a razão. Contrabalança. Não se empolgue com quimeras. Quando o desânimo te visitar, cuidado: tenta parar e respirar, buscar inspiração, mas de forma equilibrada.

Uma pessoa sem vontade nada faz, uma pessoa com a vontade mal direcionada gera desequilibrio, em si e nos outros.

Se sozinho não conseguir por o vagão de volta aos trilhos, não espere para pedir ajuda, não tenha medo, vergonha ou orgulho; Quando perceber que não dá conta sozinho pelo cansaço, pode ser tarde demais, e muito pior.

Se não tenho autoridade para dar conselhos, então ficam estes como lembretes para mim mesmo, para os tombos que ainda levarei, para os testes em que ainda falharei.

Já foi dito (agora não lembro por quem e se a frase é exatamente essa): O mérito não está na vitória propriamente dita, mas na tentativa, na busca.

A felicidade é atributo indispensável para percorrer o caminho de nossas vidas, a felicidade não se encontra no final de nenhuma estrada que a esta conduza, e sim dentro de nós mesmos.

Se recordo bem do mito da caixa de pandora, quando aberta, libertaria todos os males do mundo, mas igualmente, as virtudes necessarias para vencê-los.

Não nos enganemos: Não existe realização que possa ser encontrada em prateleira de supermercados, ou gratuíta; Devemos construir a nossa própria, e ninguém pode fazê-lo por nós.

Gratuita foi a vida que recebemos, um milagre, seja analisada sobre qualquer óptica.
E a única coisa que a vida nos pede em troca, não por bem dela, mas antes por nós mesmos, é que façamos o nosso melhor.

Raramente somos quem poderíamos ser, mas somos, sempre e ainda, quem hoje podemos ser.


Libertas quae sera tamem - Liberdade, ainda que tardia :-)

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