Me vi ali, sentado, no cume da mais alta montanha.
Olhava para baixo, para longe, e acompanhava com os olhos o burburinho dos dias e noites, das paixões, da grandiosidade e da miséria humana, sem entender exatamente o que se passava.
Não entendia como as vidas se interligam e interagem, como, diante do que se me afigurava um imenso caos, as coisas ainda assim podiam fazer sentido.
E lá, do alto da montanha, a visão é privilegiada, pois o tempo meio que desaparece. Enquanto grupos se deslocam de um lugar a outro, sem saber o que vai acontecer quando aportarem no seu destino, eu, que vejo de cima, já posso antever o resultado, ou as probabilidades, que, por enquanto, os atores deste cenário ignoram eles próprios.
Porém, eis que já não estou no cume de monte algum. Estou aqui, nas lides do povo. Estou na feira, no trânsito, no ir e vir sem fim e rotineiro.
Cá estou eu com as misérias e riquezas humanas, de novo, e de novo. E não consigo perceber que aqui, e nenhum outro, é meu lugar. É só aqui que encontro, dia a dia, a simultânea fonte de meu sofrer e meu querer viver cada vez mais.
Eis o palco de minha vida. Os ensaios e a peça ficam a meu critério. As limitações são vencíveis, se assim eu o desejar.
Me perco e me encontro. Me liberto e me vejo escravo.
E aguardo pelo momento em que conhecerei como sou conhecido, que se me afigura por vezes tão distante, mas eis que agora me parece que basta estender a mão e dizer: "- Estou aqui!".
Antes me parecia impossível. Por breves instantes, pela primeira vez na vida, estive livre. E agora me vejo enclausurado novamente. Porém, nada jamais será como antes. Por que se experimenta a liberdade, tem medo dela, mas se fica nela por tempo suficiente para desejá-la e vê-la como parte integrante, fundamental, e deveras possível de sua vida, então atingí-la passa a ser seu objetivo primário na vida.
E não importa que agora me seja dez vezes mais difícil do que era antes, eu sei, que de alguma forma, eu tenho cem vezes mais forças, forças que ainda estão descompassadas, ainda passo pela peneira, pela prova, pela arte de descobrir de que metal sou forjado.
E a maravilha, o bom de ser humano é que sempre resta a opção de trocarmos o material de que somos feitos. Aos poucos, de forma consistente, ainda que, por vezes, pareça impossível.
Sou escravo da armadura forte que me enclausura, desta vez, de difícil libertação. Mas sei que, com o nível adequado de concentração e preparo, com o instrumento certo e a força certa, qualquer metal vira manteiga.
E qualquer carne e osso vira plumagem de anjo, ainda que cinza e pálida.
Por que, sei que tenho falhado ao demonstrar, mas ainda, sempre, e apesar de tudo, somos quem podemos ser, enquanto houver... esperança.
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