quarta-feira, julho 07, 2004

O que vemos

Enquanto nossos dias transcorrem, mensurados por eventos cronológicos, procuramos guardar na memória aqueles eventos que consideramos importantes.
E fingimos esquecer (porque não poderiamos fazê-lo) aqueles outros instantes que nos perturbam, em especial, aqueles que nos chamam a realidade de que, por mais que tentemos, não estamos no controle de tudo, ainda que tudo dependa de nós.

O que vemos no mundo, buscamos interpretar, conforme o que aprendemos até então, e com o que estamos sentindo no momento, ou na fase de vida em que nos encontramos.
Posteriormente, quando os sentimentos do momento já não são os mesmos, quando nossos conceitos já pendem para outras interpretações, o que então haviamos visto se torna diferente a nossos próprios olhos.

Ainda lembramos de como nos sentimos e porque, e aquele sentimento transporta-nos no tempo, ainda que seja para um tempo que já não nos pertence; Para um tempo em que parte de nós deixou de ser, cedendo lugar a outras partes que vieram, ou que estão em processo de vir (e o que não está?).

Ao menos na primeira vez em que nos lembramos de algo qualquer em particular, após vários anos sem pensarmos neste evento, sentimos aquela pontada de ódio com o mesmo vigor de quando sentimos antes, ou aquele amor terno e apaixonado que um dia nos nutriu. Isto tudo ainda que, hoje, já não odiemos, ainda que hoje, já não poderiamos odiar, e ainda que nosso amor tenha outro foco, outra conotação, outra direção.

Por breves instantes, engatilhamos uma série de eventos com esta ou aquela lembrança em particular, um cheiro, uma fotografia, ou um flash de memória, as vezes algo mais indefinido, e nos transportamos com direção à quem fomos; Para o que não raro, ainda somos.

Em parte invejo aqueles que não se preocupam com nada na vida. Não falo dos que parecem ter tudo, mas do que parecem não querer nada. Se atiram às corredeiras da vida como quem não se preocupa com o caminho que as águas lhes reservam. Uns, mais tímidos, são guiados pela corrente sem se preocupar com nada, se serão atirados às margens, ou às pedreiras, se cairão em alguma cachoeira ou se simplesmente desaguarão em algum lugar qualquer. Outros, um pouco mais dedicados, vão observando atentamente, identificando as correntes, procurando achar uma que lhes pareça mais apropriada, e nadam vigorosamente para alcança-las, quando pensam tê-las identificado.

Mas nem estes, nem aqueles, preocupam-se de fato onde vão parar, nem por quê, e se lher perguntarmos: "que queres?", provavelmente dirão: "Não tenho a menor idéia".

Quando, em uma estrada semi-deserta, a noite, não avistava nem carros de um lado, nem do outro, ou pessoas, ou animais, ou nada; Quando o único ruído era o das folhas das árvores, olhei o céu, de forma que antes não poderia fazê-lo, pois a cidade e sua iluminação noturna o ofuscam, e diante daquela imensidão que parece não ter fim, diante daquelas nem duas mil e quinhentas estrelas, que pareciam ser milhões, pensei comigo mesmo... o que estou fazendo aqui?

Para onde quero ir? Se eu fosse a algum lugar, continuaria sendo o mesmo, ou seria mudado pelos eventos? Faria diferença a corrente d'agua me atirar contra as pedras ou me lançar ao remanso?

Naquele dia, lembrei das memórias da cidade, da luz meio rósea, meio nauseante, que cobre o céu, deixando senão as mais fortes estrelas, e deixei me levar pelo turbilhão, pelo redemoinho da rotina, da praxis utilitária, e, desta lembrança, parece que não mais despertei. Continuo eu, adormecido, naquela estrada a olhar o céu e cogitar da vida, enquanto que este meu eu do passado segue em frente, sem saber donde veio, nem ao certo para onde vai, mas convicto de que a realidade é o que é, e sonho mesmo, devaneio insano, foi ousar olhar as estrelas, foi ousar perguntar aquilo que todos perguntam mas não indagam, aquilo que no fundo tenho medo de saber, ainda que, durante alguns instantes, eu tivesse todas as respostas relevantes, inclusive para as perguntas que não fiz.


Boa noite.

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