sábado, julho 31, 2004

Continuando sobre o assunto pena de morte, que comecei sem querer em post anterior :-)

Naquele post, quando entrei no ponto da pena de morte, foquei mais no argumento usado da perspectiva de punição, que é um dos justificados para clamar pela pena de morte.

Vou tentar entrar um pouco mais no assunto, focando em outros pontos, mas também não pretendo esgotá-lo. O que descrevo aqui é só minha opinião, sei de limitações nela, tanto no meu embasamento teórico, tanto nas dfiiculdades de levá-la em prática.

Um problema que vejo, e que atinge a sociedade em geral, e influência desde a educacao dos filhos até o sistema penal, é essa crença que quase todos temos na punição como mecanismo educacional e correcional primário.

Eu não acredito muito na punição pura e simples, eu acredito em consequências, e as vezes não são a mesma coisa. Visto sob a óptica das consequências, a reparação de um delito envolve, onde possível, a reparação das consequências.

Eu penso, sim, que alguém que viola uma lei deve sofrer consequencias quanto aos seus atos, agora, estas consequências deveriam vir para beneficio de todos e não simplesmente pelo maleficio de alguém.

O problema está na relatividade da responsabilidade. Alguém que comete um crime nao pode estar saudável. algo nele está errado. ou foi a educação, ou um trauma, ou um problema orgânico, etc, algo está errado. Pessoas integralmente saudáveis (na definição de saudável que dá a organização mundial da saude) não cometem crimes, exceto em momentos de desvario.

Quanto mais consciente alguém é de seus atos, mais responsável é por eles, entao, aquele que comete os crimes friamente, que nao dá valor nenhum a vida alheia e tem consciencia disto, é mais responsavel do que aquele que é insano ou transtornado por alguma razão.

Eu penso que quanto mais instruida a pessoa, quanto mais acesso a informacao ela tem, quanto mais educação recebeu, mais ela sabe, e mais responsavel ela é, assumindo que não tenha num outro fator problematico envolvido.

Assim, aquele que comete um crime, deve ser responsabilizado por ele, no sentido de alcançar alguma coisa, para a sociedade, visando reparar o mal cometido e ao mesmo tempo, onde possível, visar a reintegração do indivíduo deslocado.

Para a sociedade, o maior ganho seria a reparacao daquela pessoa, de forma que ele, atraves do trabalho, pudesse compensar de alguma forma a falta que ele produziu. E, se efetivamente recuperada, evitaria o problema da recorrência, que é aquilo que ocorre em nossas cadeias: individuo fica na cadeia como escola do crime, quando sai, suas tendências ao crime estão "educadas", provavelmente voltará a cometer os crimes que cometia e talvez até outros.

Nos crimes hediondos, há dois casos que eu vejo, pode ser que eu esteja perdendo alguma coisa.

Num lado, teriamos os insanos, que, por alguma razão, não são plenamente conscientes de seus atos. Numa sociedade justa, se houver tratamento possível, ele deveria ser tratado. Se não houver tratamento, deveria ser encarceirado, não há outra solucão. Por um acaso saimos sacrificando a esmo os cachorros cegos, surdos, ou nossos filhos caso tenham problemas mentais?

Noutro lado, teriamos os psicologicamente conscientes de seus atos. Em especial, os frios e calculistas. Estes são vistos como monstros. Pois bem, eles se fazem monstros, é verdade. Não deixam por isto de serem humanos. Poderiam ser nosso pai, nossa mãe, nossos filhos. Novamente, eles deveriam reparar a sociedade do mal praticado, sendo condenados, a praticar o bem que mais se aproximasse do oposto do mal efetuado. O problema é que não é um ser humano educado (e educado nao é sinonimo de instruido) num ambiente apropriado, tendo recebido da sociedade tudo o que teria direito, que acorda num dia de mal humor e se transforma num monstro. Isto é algo que acontece durante a sua formação.

Alguém falhou para com este ser humano, seja a familia, ou a sociedade, por que numa sociedade justa, se alguém não tem familia, as demais pessoas deveriam dividir a obrigacao da educação deste individuo, independentemente do meio pelo qual fazê-lo. Mas quem, em nossa sociedade, quer dividir algo?

Está certo que a nossa psicologia ainda não chegou no ponto de identificar com precisão aqueles que podem desenvolver certas tendências homicidas e outras coisas, mas o fato é que com uma educação apropriada e acompanhamento psiquico adequado ninguém vira assassino, estuprador, ladrão, ou mesmo mau politico :-)

Só que nao vivemos numa sociedade justa. Então dizemos que não queremos pagar a conta de manter estes individuos vivos. Eu acho que ao dizer isto, estamos dizendo que não somos nem um pouco responsáveis por ele, o que, a meu ver, é uma meia verdade. Enquanto ninguém não assumir responsabilidade por nada, nós podemos matar todos os bandidos do mundo num dia, e alguns anos depois, entre as nossas crianças mesmo, estarão nascendo os bandidos da geração futura, por que o sistema que permite que pessoas se tornem corruptas continua igual.

Adquirimos também uma responsabilidade social muito grande ao enviarmos para a morte indivíduos cuja culpa não se pode demonstrar. Nos EUA, são vários os casos em que a inocência do acusado foi apontada após sua execução. Que dizer as famílias destas vítimas? Há inclusive suspeita de discriminação racial e outras formas de preconceito e perseguição, por parte dos procuradores, dado o perfil de muitos que foram ao corredor da morte.

Ao bandido não adianta nada ser morto, por que ele não aprende nada, não muda.
Para a sociedade, pode-se argumentar que economiza com o que gasta para manter os presos. Por outro lado, paga o preço de achar que só isto resolveria alguma coisa, pois os bandidos continuam existindo, especialmente daqueles tipos que tem em Brasilia, que dificilmente vao presos, e ainda ganham nosso voto. E o problema é este, que cria-se um espetáculo em torno da morte, quando se consegue executar o acusado, a família da vítima normalmente clama que conseguiu "justiça" e segue suas vidas. A imprensa acaba por esquecer o assunto, e os políticos voltam-se a seus interesses particulares, e tudo continua exatamente como está. Ninguém tenta buscar a solução para a causa dos problemas, simplesmente, atua-se nos efeitos, varrendo a poeira para debaixo do tapete, de forma que ela apodreça e volte a sair mais tarde, na forma de novos delitos.

Eu acho que se formos sustentar o argumento monetário, antes, deveriamos acabar com disperdicios em outras áreas. Aí então a sociedade estaria moralmente apta a discutir sobre este ponto, mas eu penso que seria surpreendente o número de pessoas recuperáveis se ao menos tentassemos algo antes de desistir delas. Mas nós não tentamos.

Preferimos vê-los como animais em jaula que devem ser sacrificados, e com ódio, do que a vermos neles semelhanças conosco. Nos consideramos melhores do que eles. Mas quem define quem é melhor do que quem? Nós mesmos? Por que não matamos ainda, por que tivemos educação e aprendemos a respeitar (e alguns de nós nao aprenderam tão bem assim) os outros, somos melhores? Seriamos melhores se tivessemos tido a mesma vida que o bandido, a mesma educação, tendo passado pelsa mesmas dificuldades, e, com a arma em nossas mãos, optassemos por não matar, assim seriamos comprovadamente melhores. Como podemos garantir que somos melhores, se, em grande parte o que somos é resultado desta mesma educação que recebemos?

Desloquemos um pouco o foco para a educação de nossos filhos. Alguns pais batem em seus filhos, e isto surte efeito, por que até certa idade, o medo impera. Mas isto é questão de personalidade. Eu tenho certeza que se meus pais usassem exclusiva ou principalmente desta técnica comigo, chegariamos em algum ponto na minha adolescência onde teriamos sérios problemas. Por que o medo teria dado lugar a razão, e ao senso de justiça, e se, ao invés de me fazer perceber meus erros, tentassem me impor a força, teriamos um impasse onde provavelmente alguém sairia machucado e alguém iria preso, ou, na melhor das hipoteses, eu não seria educado e meus pais desistiriam de mim. Porque para aquele que chegou a uma fase onde o racional conta tanto quanto o emocional, só a coasão não representa nada.

O maior resultado desta política educacional é criar hipócritas e pessoas desequilibradas. Por que no primeiro caso, os pais ameaçam os filhos, e estes, para não sofrer punições, fingem concordar com a imposição dos pais. Mas ao primeiro instante que os pais lhes dão as costas, os filhos fazem o que bem entendem, escondidos, por que não receberam educação, não dialogaram com os pais sobre se o que vão fazer vale a pena ou não. São mentirosos e seus pais, sem saberem, os tornaram assim.

No segundo caso, existem aqueles que são psicologicamente muito frágeis. Seus pais, ao adotarem esta politica punitiva de educação, acabam por quebrar seu frágil equilibrio emocional, resultando em problemas que carregarão provavelmente por toda a vida.

Não estou aqui defendendo a psicologia liberal dos anos 80, aquela que ensinou aos pais que não podiam dizer não aos seus filhos. Esta é, na minha opinião, ainda mais burra e preguiçosa do que a politica da punição sem educação.

O problema é que estes dois modelos são dois extremos, e em ambos os casos, o que não ocorre é a educação. No primeiro caso, os filhos são condicionados, mas eles não aprendem nada, diante da vida, terão dúvidas de como proceder, e poderão ser facilmente influênciados a cometerem atos reprováveis. No segundo, os filhos, que nunca recebem não, e são frequentemente levados a acreditar que são a coisa mais importante do mundo, mais importante e melhores do que os outros, enfrentarão problemas sérios fora da casa dos pais, onde certamente não serão o que imaginam ser.

Serão provavelmente os assassinos de amanhã. E então talvez realmente seja tarde demais para recuperá-los. Talvez o que a sociedade tenha a oferecer seja exatamente esta punição de que estamos falando, então, os assassinamos e deixamos que a próxima geração de covardes, estupradores e ladrões desenvolva-se no seio de nossas próprias famílias.

Eu reconheço que descrevo uma condição idealista. Penso que seja uma meta futura. Mas neste país temos o hábito de crer que este é o país do futuro, mas não fazemos nada para fazer com que o futuro venha a ser presente.

Vivemos em uma sociedade de forma. Não nos importamos muito com o que as coisas são, apenas, superficialmente, com o que elas parecem ser, com o que elas representam.

Enquanto for lícito o assasinato, por qualquer justificativa, viveremos numa sociedade frágil, onde usarão contra nós os argumentos que pensamos possuir contra aqueles que são nossa versão deteriorada.

Creio que a única condição em que o assassinato seja isenta de qualquer responsabilidade, é a da legítima defesa, de fato, não de nome, por que muitos clamam legítima defesa quando no fundo, tem sua parte de responsabilidade em uma morte que poderia ser evitável.

Damos pouco valor a vida humana. Na nossa legislação, inclusive, em alguns casos é bem mais tolerável o assassínio de um ser humano do que de um animal silvestre.

Eu, que tento ter tanto valor ao futuro quanto ao presente, penso que é urgente encontrarmos equilibrio em nossos atos e pensamentos, em especial, naqueles que são puramente egoístas. Do contrário, talvez tenhamos que pagar para ver, e estaremos destituídos de autoridade ao exigirmos nossa defesa. Seremos chamados de hipócritas, ao exigirmos para nós direitos que suprimimos dos nossos semelhantes.

Por enquanto vou encerrar este assunto, tenho outras idéias palpitando na cabeça que pedem passagem. Mas a problemática social, dos direitos e deveres de cada um, é um assunto enorme, não pretendo esgotar com estes frágeis argumentos.

Espero que um dia estas questões façam parte de livros que só se encontrarão disponíveis em Museus. Porém, até lá, temos muito caminho a percorrer. Não basta acreditemos nisto ou naquilo, temos de fazer nossa parte, onde quer que sejamos chamados para tal.

Para aquela pessoa que motivou este segundo post, eu queria agradecer, e dizer que lhe tenho muito carinho.

Meus votos de paz!


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