Há uma batalha, por vezes silenciosa, ocorrendo em nossos dias.
Estamos, senão no estágio final, no que o precede, de uma transformação social um tanto lenta, porém poderosa.
Nossas sociedades se desenvolveram com o ideal de que a transformação necessita do conflito, do caos. O caos faz-se necessário, como antítese dos costumes, credos e convenções, que então são sacudidos, e arremetidos para o próximo estágio.
Não é, ou ainda não é, o caso desta transformação a que me referi. Seria como se estivessemos em um vale, que fosse alagando, um milimetro por semana. Não perceberiamos de sopetão, mas, ainda assim, estaríamos sendo alagados.
O mundo passou por muitas transformações sociais em relativo pouco tempo. Nos últimos séculos, caiu-se, em nossa sociedade ocidental, o domínio absoluto do dogmatismo enquanto paradigma existencial, e ruiu-se o estado totalitário e hereditário, sendo, lentamente, substituido pela democracia representativa, ainda que esta seja uma ilusão em potencial.
A ciência viu-se livre para nascer e crescer, e os cientistas livres a praticá-la, ao ponto de alguns elegê-la como paradigma em si mesma, contrariando seus objetivos. A despeito de todo o progresso, alguns dele se aproveitaram, talvez por ignorância, talvez por interesse, e tentaram criar uma espécie de neo-dogmatismo, que surpreende pelo número dos que erguem sua bandeira, ainda que não o entendam nem superficialmente. Paree que muitos de nós ainda temos necessidade de esconder-nos atrás de um uniforme, de uma coletividade, sonhamos em ser soldados, não importa sob ordens de quem.
As convenções sociais ruiram, e o que delas sobrou, sustenta-se sobre f?agil alicerce. A libertinagem ocupa o lugar onde antes ocupava o medo e a dúvida, e o desvario, a busca dos prazeres sem culpa, sem observar-se as consequências, segue solta. A liberdade responsável ainda não encontra muito espaço para manifestar-se.
Se gerações antes eramos as crianças ingênuas que acreditavam em qualquer coisa, somos hoje as crianças ingênuas que tem razões para duvidar de tudo, mas que não são educadas a buscar coisa alguma.
Somos instruidos a consumir a uniformização, a padronização, a sensualidade como fim em si mesma. Nos dizem que pensar é um crime ou ato desnecessário, desvario, coisa de desocupados, ou, mais frequentemente, coisa de excêntricos.
E excêntrico é sinônimo de anormal, que por sua vez é aquele que não encontra espaço na sociedade.
O espaço que nos reservam na sociedade muitas vezes não é do nosso tamanho. É frequentemente menor que nossas possibilidades, e temos que curvar-nos e nos entortarmos para entramos em um molde que não foi feito do nosso tamanho, nem da nossa maneira.
Nos restam poucas opções, as mais evidentes são aceitar o molde, ou fazer-nos um que seja digno de nos acomodar.
Ambos tem seu preço, e seu retorno. Qual é preferível? Depende inteiramente de cada um de nós.
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