quinta-feira, agosto 19, 2004

O mal dos séculos

"Digam o que disserem / O mal do século é a solidão / Cada um de nós imerso em sua própria arrogância / Esperando por um pouco de afeição" -- Legião Urbana / Esperando por Mim

É sobremaneira difícil conviver. O sempre coerente Divaldo Pereira Franco não se cansa de citar, em suas exposições, uma metáfora, cuja origem não recordo, que trata dos porcos espinhos.

A contarei como lembro, posso estar acrescentando ou reduzindo alguma coisa sem saber.

Conta ele que em uma era glacial, os porcos espinhos morriam congelados, pois não conseguiam manter a temperatura de seus corpos em meio ao frio ambiente. Então, um dos porcos espinhos teve a idéia de que, se eles dormissem próximos uns dos outros, conseguiriam manter o calor corporal, já que assim não perderiam calor para o meio gelado em que se encontravam.

Fizeram as primeiras experiências, foram se ajuntando, e constataram que de fato, o calor os protegia. Porém, logo começaram os problemas, já que quando chegavam muito perto dos espinhos dos outros, se feriam, e muitas vezes, ao reagir, feriam os outros também. Então os porcos espinhos voltaram a dormir sozinhos, e a morrerem. E levou tempo, até que os porcos espinhos percebessem a realidade: eles precisavam uns dos outros, porém, tinham que manter a distância: nem tão próximos que invadissem os limites corporais do outro, nem tão distantes que não fossem capaz de doar e receber calor.

Podemos transportar esta metáfora para os seres humanos, e suas relações interpessoais. Necessitamos um dos outros, não do calor dos corpos de forma geral, já que nossa inteligencia mesmo em épocas rudimentares aprendeu a suprir através das vestimentas e diversas outras técnicas, mas precisamos do calor d'alma.

Precisamos nos aproximar das pessoas, mas conseguir manter a distância que o respeito nos exige. Respeitemos as opiniões das pessoas, respeitemos quando elas desejarem estar a sós. Não importa se a pessoa a que me refiro seja nosso filhos, ou o o amor de nossas vidas, não somos donos das pessoas, por maior a responsabilidade que tenhamos para com elas. Nossos filhos não nos pertecem, nossos amores não nos pertencem. Podemos nos doar integralmente a uma pessoa, e esperar que ela aceite, mas não podemos exigir a recíproca. Cabe a pessoa escolher o que fazer de si.

Quem ama, liberta, já foi dito.

E, quanto a solidão, igualmente já foi dito que "nenhum homem é uma ilha". Dependemos uns dos outros. A vestimenta que possuímos, a alimentação que nos chega a mesa, tudo passou pelo trabalho de outras mãos, assim como outros aproveitam o nosso trabalho.

Já mencionei noutra ocasião que o ser humano não possúi as faculdades de relação à toa ( e creio que estou parafraseando algum livro que li). Não aprendemos a falar, a sorrir, a gestificar, para nós mesmos. Não aprendemos a ouvir e a distiguir não só as palavras e sílabas, mas pelo tom da voz saber muitas vezes se a pessoa está preocupada, nervosa, feliz, ansiosa.

Todos precisamos de amigos. Nos tornamos monstros egoístas, sem valor pela vida alheia, e por conseguinte, pela nossa própria, se não temos amigos, se não temos compania, ainda que seja, na ausência de pessoas, a compania de um cão.

Nos engrandecemos em contato com as pessoas. Mesmo aquelas que não nos nutrem afeição. O embate dialético (o contraste de idéias), enquanto pacífico, nos torna mais preparados para a vida, e nos mostra mais sobre nós mesmos.

Todos temos atributos, e estes desenvolvidos em maior ou menor escala. Sempre estaremos em contato com aqueles que possuem menor e maior desenvolvimento do que nós em alguma área, e nos compete sempre ajudar aqueles que possuem menos que nós, para nos tornarmos dignos de recebermos auxílio daqueles que estão a nossa frente.

Por mais que estejamos repletos da solidão, nos sintamos na esquina do abandono, lembremos daqueles que precisam de nós mais do que precisamos deles. Tenhamos a humildade de procurá-los, eles estão em toda a parte. Não sejamos aqueles que sentam em uma pedra, e contemplando o céu, se perguntam: "por que sou tão infeliz"?

Sejamos aqueles que, ao ver uma necessidade que possa suprir, tenha boa vontade para com ela. Conversemos com as pessoas, mas sobretudo, as escutemos. As vezes, não precisemos falar nada. Só o fato de estarmos presentes pode impedir que a loucura tome o lugar onde momentaneamente vive a tristeza.

Há muitas coisas que eu queria dizer aqui, mas ainda não sou apto. Entrei em um site estes dias, cujo título era: "Amar se aprende amando, escrever se aprende escrevendo".

Tenho muito a aprender, e tão pouco a ensinar.

Aprendamos todos, não importa se somos o vazio da solidão, ou o coração do mundo. Sempre podemos dar um passo adiante, e a caminhada de nossas vidas começa quando decidimos dar o primeiro passo.

Nenhum comentário:

Pesquisa google