sábado, setembro 18, 2004

Honra e Deshonra

A honra pode ser entendida, a princípio, sob dois aspectos bem opostos: a honra orgulhosa, e a honra da humildade e reconhecimento.

A honra do orgulho é uma falha. É o que levava nossos antepassados, e por que não dizer, ainda muitos de nossos contemporâneos, a tornarem-se assassínos ou suicidas, nos duelos de outrora e nas brigas de bar de hoje em dia, por exemplo.

É a mesma honra que quando vivida coletivamente, faz com que um povo se ache no direito de submeter outro povo a sua vontade, e daí, as guerras. É o orgulho, de julgar-se melhor e mais potente do que os demais, e uma certa ingenuidade, pensar que a si e aos seus só competem os direitos, e aos demais, que fiquem com as obrigações.

Mas não é sobre esta honra que quero falar hoje. Escrevo agora sobre a honra humilde, a honra do reconhecimento.

É uma honra reconhecer nas pessoas seres em constante progressão, num processo de auto-descobrimento e de auto-reinivenção constantes. Reconhecer suas realizações, o que fizeram de si mesmas, reconhecer nelas criaturas maravilhosas. Encantar-se desde com as pequenas coisas até as grandes: como fazem gestos, como franzem a testa, encantar-se com o jeito como falam, como pensam, como agem.

É uma honra ter a amizade, o carinho, o amor em suas diversas formas, das pessoas especiais que conheci durante a vida. É ainda motivo de forte, ainda que humilde, sentimento de felicidade ao reconhecerem em mim algo de especial, algo que por vezes duvido que eu realmente seja, ainda que, noutras vezes, eu o sinta verdadeiramente...

E por falar em dúvidas, acho realmente que todos temos nossos 5 minutos de bobeira no dia. Onde ficamos temporariamente desprovidos de razão, onde os sentimentos confundem-se, onde, por instantes, nos tornamos indignos do amor que recebemos.

E as vezes, estes 5 minutos de bobeira são suficientes para deshonrar as pessoas. Para permitir que elas sintam-se menosprezadas, para que elas fiquem impossibilitadas de perceber o que realmente pensamos a respeito delas.

Eu, num destes meus 5 minutos, que acabaram durando mais que isto, deshonrei, dentre todas as pessoas, uma das que mais admiro. E embora eu tenha recobrado a consciência, era tarde demais, o mal estava feito, e as consequências também.

Por isso eu, humildemente, gostaria de deixar registrado este conselho, fruto desta experiência: procuremos não deshonrar as pessoas que fazem parte de nossas vidas. No meu caso fui visivelmente injusto, mas ainda que julgassemos ter direito a fazê-lo, não o temos. Somos, cada um de nós, o que de melhor conseguimos fazer de nós mesmos, e ainda mais, estamos, não somos. Os conceitos mudam, os sentimentos desenvolvem-se, as impressões modificam-se, os preconceitos passam.

Conforme o ritmo que vivemos, fica difícil perceber isto, que é possível as pessoas mudarem, que é possível inclusive que elas, que já são melhores que nós em alguns pontos, possam facilmente nos superar nos outros, naqueles em que por ventura nos julguemos algo desenvolvidos.

Nas minhas melhores faculdades, considero-me medíocre, ainda. Não por ser visivelmente sujeito a falhas, a erros, e a decepções, por que ainda que eu fosse melhor, estaria sujeito a isto tudo. Mas por que vejo que as pessoas tem, em geral, mais habilidade para exercerem seus bons atributos do que eu, que luto diariamente contra o monstro que ainda não deixei de o ser, completamente.

Mas sou a prova viva de que o ser humano muda, ainda que sejamos feitos de mudanças incompletas. E mudar não é fácil, faz-nos perder a frágil crença de nossa identidade. Julgamos que reagiremos de um jeito, em determinadas situações, e reagimos de outro, de forma por vezes surpreendente, e de forma por vezes ridícula e lamentável.

A quem me conhece há mais tempo, peço licença para mudar. As pessoas estranham, quando formam juízo de você, e de repente, você deixa de ser previsível, e, de certa forma, deixa de ser conhecido.

As pessoas que me conhecem há menos tempo, em que nossa intimidade está longe ainda de ser completa, não se assustem. As vezes sou meus opostos, e o serei ainda por algum tempo.

O ser humano é formado por muitos atributos, capacidades. Quando descuidamos, por vários anos, de algumas destas capacidades, elas parecem ficar meio que estacionadas no tempo, enquanto as demais se desenvolvem em ritmo mais ou menos normal, ainda que sofrendo os efeitos dos atrasos em outras áreas.

Por vezes, sou um adulto de 40, com a psiquê de um adolescente de 15. As vezes, ainda, não passo dos 9. E mais raramente ainda, tudo se encaixa, tudo faz sentido, e sou quem acredito realmente ser, em meus 24 anos que, se não foram bem vividos antes, estão sendo agora.

Me sentiria horrível se tivesse deshonrado qualquer pessoa, mas deshonrar as que nos são mais caras não é apenas horrível, é assustador.

Dizem que o tempo cura as feridas. Isto é uma meia-verdade. O tempo propicia os recursos necessários para que nós mesmos, por nossos atos, reparemos o mal causado, e por vezes, consigamos encontrar em algo horrível um lado bom, ainda mesmo que nossos atos tenham sido horríveis e sem desculpa possível.

Os medos nos dizem coisas sobre nós mesmos. Até certo ponto nos dizem o que devemos desenvolver em nós mesmos, mas, além deste ponto, se transforma numa espécie de desejo inconsciente, de algo que embora não queiramos, acabamos realizando, e cujas consequencias acabam por transformar-se em transtornos, em grande mal.

Tomemos muito cuidado com nossos medos. Não percamos a esperança.

Tentarei tomar cuidado com os meus daqui para frente. Tentarei honrar-vos, tentarei honrar-me.


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